Todas olharam para cima quando a lâmpada apagou repentinamente. A cozinha, iluminada pela luz acinzentada das janelas, foi engolida por uma sombra. Olhos de íris amarelas e pupilas negras envoltos de penas escuras as observavam, o bico batendo fracamente no vidro, não como se quisesse entrar, mas anunciar sua chegada.
As três ficaram imobilizadas, sem saber exatamente como reagir sob os olhos dele. Sua cabeça se movia como a de um corvo, observando o corpo caído de Aline. Sua mão se ergueu lentamente e seus dedos longos e afiados entraram na pequena fresta da janela, abrindo-a mais para que pudesse entrar.
— Vá embora, capeta! — gritou dona Cláudia.
Quando o odor podre invadiu a cozinha com a chuva do exterior, a cozinheira largou Aline e fechou a janela nos dedos da criatura, que se dissolveram como fumaça. Malphas não gostou daquilo, e Fran soube assim que notou suas penas negras exalando uma fumaça escura e sombria. Longas asas de anjo se abriram e a criatura pareceu ainda mais ameaçadora.
— Beatriz, já chamou a polícia? — perguntou Fran, sentindo uma gota de suor escorrer pela bochecha.
— Meu celular descarregou.
Claro, pensou com os lábios contorcidos. Vive mexendo nessa merda.
— Vou chamar a polícia — disse Fran corajosamente. — Enquanto isso, você repete isso aqui.
Beatriz pegou o pedaço de papel das mãos trêmulas dela, arregalando os olhos e fazendo cara de nojo para os escritos.
— Que isso?
— Droga... você não entende porque não está no nosso idioma. É a oração da Aline. Ela repetia isso para afastar esses demônios. Aqui, pegue o meu celular e chame a polícia.
Fran entregou o aparelho com receio para Beatriz, imaginando que era dona Cláudia quem lhe transmitia mais coragem, mas ela escolheu a psicóloga mesmo assim. Voltando sua atenção para o papel, começou a oração:
— Defendei-nos dos...
A janela explodiu e a cozinha foi tomada por tentáculos turvos, negros e dançantes que envolveram os eletrodomésticos e os contorceram como se fossem de papel. Pedaços de vidro voaram sobre as três mulheres. Dona Cláudia gritou em desespero, um de seus olhos lacrimejando sangue. Um braço longo e coberto de penas cobriu a cabeça da cozinheira e a puxou para o exterior como se tivesse o peso de uma pena, deixando apenas os sapatos da mulher na cozinha. Fran imaginou que era o fim.
— Dona Cláudia!
— Alô! — gritou Beatriz no telefone, sua mão mal conseguindo segurar o aparelho. — Estamos sendo atacadas!
Ela afastou o celular da orelha e o deixou cair numa panela fervente no fogão. A aparência assustada tinha sumido.
— Por que fez isso? — gritou Fran, furiosa. — Qual é o seu problema?
— Esperei esses anos todos por esses demônios. Acha que não conheço a história? Precisava encontrar Belial para me trazer sucesso no trabalho, mas por que fazer um ritual complicado quando ele aparece para quitar a dívida do pai dessa coitada aí?
— Dívida? Que dívida?
— Sua amiga era o pagamento de uma dívida do pai com os demônios. Não sabia?
— Se isso é verdade, como quer fazer um trato com eles também? Vão exigir algo em troca como exigiram do pai dela.
— Eu já paguei. Dobrado, para garantir — ela disse com convicção. — Não foi difícil dar um fim na Marisa. Dona Vitória, no entanto, era uma mulher querida, eu realmente gostava dela. E ele aceitou as duas como pagamento. Agora que Aline conseguiu se matar, você virou o pagamento desses três bichos aí. Vocês duas não se tornaram melhores amigas, afinal?
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A Oração
TerrorFranciele é uma estudante de enfermagem que encontra no orfanato Nuvem Colorida uma oportunidade de se destacar na faculdade que faz para agradar os pais. O que lhe parece uma tarefa fácil se torna um desafio quando conhece Aline, uma garota que fog...