O destino ficava a alguns quarteirões de distância. Como optaram por evitar as ruas, o GPS demarcava a localização atual em uma escassa mata ciliar ao lado do rio Piracicaba.
Com o sol prestes a se pôr, os passos cansados de Rafaela e Priscila as levavam em direção ao Engenho Central, um dos pontos conhecidos da cidade e que, neste dia e a este horário, estava deserto.
— Já sei como chegar lá — Rafaela informou e guardou o celular na mochila, ajeitando-a nas costas em seguida.
— Que bom! Quero voltar logo para casa! Quero muito! — Priscila pulou de alegria.
Rafaela sorriu ao assistir a reação da pequena.
— Gosta dos seus tutores? — ela perguntou.
— Eles são os melhores do mundo!
— E devem estar sentindo sua falta também. Tenho certeza de que ficarão felizes com o seu retorno.
— Então vamos logo! — Priscila correu alguns passos, salientando sua pressa.
Rafaela respirou fundo — foi uma viagem longa — e a seguiu com seu próprio ritmo exausto.
Chegaram a uma das entradas do engenho. Depararam-se com uma cerca à frente e uma ponte estaiada à direita. As árvores ofereciam uma dádiva visual que contrastava com o chão pavimentado do outro lado das grades.
Elas andaram até a cerca e Rafaela cruzou os braços.
— Outro caminho? — sugeriu Priscila. — Ou posso tentar pular. — Olhou para Rafaela, aguardando uma confirmação.
— Você é muito pequena. Vai se machucar.
Ela sorriu e se aproximou de Priscila. Passou um braço pelas costas dela e fechou o abraço envolvendo o tórax. Carregando Priscila ao lado de seu corpo, ela se afastou das grades. Parou ao chegar a um estacionamento próximo. Respirou fundo e fechou as pálpebras por um instante. Ao abri-las, suas orbes brilharam com determinação. Correu de volta para as grades, pegando impulso. Pulou a alguns metros antes da cerca.
Do ponto onde estava, Priscila pôde observar, com assustadora proximidade, a cerca quase contê-las durante o salto.
Ao atingir o chão, Rafaela realizou seis saltos menores, cada um em uma passada, para amortecer o impacto e não se desequilibrar.
Ofegante, soltou Priscila e apoiou as mãos nos joelhos para se recuperar.
— Está bem? — Priscila questionou, preocupada.
Rafaela ergueu os olhos para ela e acenou com a cabeça, sem ar suficiente para falar.
Após alguns segundos, ela inclinou a cabeça para cima e admirou o céu que trocava as cores claras por escuras. Cada amanhecer era preocupante, e cada anoitecer, tranquilizador.
Saltar causou uma fadiga maior do que esperava. Depois de caminhar por quase dois dias inteiros — e utilizar seus poderes algumas vezes —, o corpo exausto desafiava a mente teimosa.
— Vamos — avisou assim que recuperou o fôlego.
Seguiram em frente até alcançarem o centro do engenho. Havia um galpão e, virando à esquerda, um caminho feito de grandes blocos de pedra escura. Pretendiam utilizá-lo para chegar às ruas de forma discreta, porém, o que Rafaela temia finalmente aconteceu.
Ouviu um zumbido perto da orelha direita. Algo passou em alta velocidade, cortando o ar, e fincou no chão a poucos metros dela. Uma lança dourada.
Rafaela estreitou as pupilas e cerrou a mandíbula com firmeza. O sol estava se pondo. Não fazia sentido ele estar ali.
Amedrontada e, ainda assim, curiosa, Priscila deu tímidos passos na direção do objeto invasor.
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Arauto do submundo
FantasyArauto: mensageiro; porta-voz. Para Rafaela, significa ser a representação de um deus na Terra. A própria personificação de uma divindade. Significa desistir de uma vida comum e livre para ser trancafiada pelos ferrolhos do destino. Pior do que isso...