otemanu's daughter

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Sempre a tive como benquista, quando avistei terra firme, centímetros vestidos de areia, mar e ar, as razões inúmeras reluzindo, outrora pensasse, sozinha, o cabimento dimensional e amoroso de um pedaço redundante de papel cartão ㅡ tiras ordinárias de um mapa camuflando histórias paradisíacas, beijos fermentados dos últimos raios de um pôr-do-sol laranja. ㅡ O beijo apaixonado cabia numa ilhota pouco povoada que segredava o turquesa celestial de corais familiares e bolhas penosas, debaixo de um oceano vertido em criaturas inconsistentes que se projetam no profano da mente juvenil: peixes espadas no recanto submarino, afiando nariz, retumbando canções sincronizadas no teatral balançar das ondas. O montante de sensações me aproximava de memórias substanciais, Seungyeon cobrindo a boca com a luz das estrelas apenas para estourá-las em risadas calorosas de constelações completas. De fato, a maresia inóspita de cascos batendo uns nos outros, sem qualquer razão aparente, enquanto os mesmos homens enfeitiçados de sempre despejavam histórias rústicas e restritivas nos hemisférios costurados de força, a existência megalômana. Quais passos seguir? Dúvidas rotineiras que embalam sinais repetitivos, velas acesas em mentes cansadas, rios subaquáticos paradoxais nos pensamentos sintetizados ㅡ meiose em prófase, telófase, metáfase, anáfase? Não sabiam, embora o fardo da caçada.

Uma sabedoria antiquada, quase nada turística. A verdade por trás da esquizofrenia noturna velando um oceano inteiro que não cabia na metade do peito.  Nada devia aos marinheiros fantasmagóricos do amanhã, ainda que a conexão contínua se esmiuçasse de sentimentos. Procurava abster minhas complexidades em encontros indiferentes, a lua protegendo cavaleiras retrógadas. Bastava o silêncio, muito empenho e gerações exemplificadas. Tudo era uma q8estão de saber procurar e significar, desalinhando poderosamente os saberes assassinos de galáxias explosivas ㅡ porque se tratava de uma parte muito pequena, dentre planetas rasgando a linha temporal, pedaços de rocha sedimentar delineando a baía de ponta a ponta ㅡ e, de tanto, nada; nenhuma resposta, nada que ressoasse mais fiel e verdadeiro do que a respiração entreposta o indagar. Porque sua silhueta constatava o mesmo pôr-do-sol, revelando a existência vaporosa de musas e filhas de deusas desconhecidas. Seungyeon costumava me presentear risadas dolorosamente contagiantes, relembrando-me da bobagem poética. Para ela, tudo não passava de um simples e limitado grão de lentilha finito, um astro encolhido no fundo de uma casa rudimentar, ou até mesmo uma concha duvidosa, que se esvai conforme conforme as canções silábicas homenageiam a terra de Otemanu e sua adormecida gentileza de se manter informada de todo e qualquer pedaço, naturalizando filhos prodigiosos.

Quem pensaria na traição do próprio sangue?

À noite, vendo o crepitar silencioso da fogueira, ofereceu-me a mão magra, adornada de floreios poéticos, fazendo-me sorrir por não cultivar a remenda eternizada, em sua origem, como qualquer outro, ou sequer sinalizar a repulsa à paixão. Recusei à inconstância, deixando a tarefa para os peixes viajantes. Gostaria de possuir a linha lateral, cochichando embrulhada num sorriso a felicidade procurada. Talvez Seungyeon seja minha Atlantis perdida, até mesmo mais do que isso, ao passo em que estátuas de pedra imersas localizem âmagos intrínsecos, indiferentes à realidade, a visão precária, eu tentando entender o tamanho desse amor. Acreditei, jurei pensamentos inimigos, que sorria lascivo e temperamental diante as oferendas de sexta-feira e domingo de manhã. Era cansativo, não negava, e eu exaltava tão pouco, embora a reclamação não se diferenciasse em nenhum ponto de qualquer outra molécula em tolice, a mente fértil. Seungyeon gostava, eu sabia. A literatura arrogante e infantil do coração jamais se sobressaía suas curiosidades andantes, ou sabedoria excepcional, o que me fazia sentir inveja, e que talvez nunca me livre. Por bem ou por mal, não me cabia o casco do caracol, assim como o absurdíssimo postural, comportamento horizontal, sou um caranguejo andarilho. Nunca me acostumei com o novo, diferente de Seungyeon.

ㅡ O que você diria ao marinheiro confuso? Seria uma pena se a descoberta fosse uma falsificação... ㅡ tentei, mordiscando um naco do dedão. Seungyeon nem piscou. ㅡ O tempo nos rasga cruelmente e é muito pior quando não o percebemos. Talvez pena, um ato falho de misericórdia.

ㅡ É tudo tapa-olho na visão boa, Seunghee ㅡ ela insistia em contraste às palmeiras e o degrade mixado do oceano, a mesma risada de flauta doce. Era tão óbvio perdê-la para a paisagem, eu não ousava lutar contra essas forças indigestas da natureza. ㅡ A eu, de milhões de anos atrás. Teme saber da descendência, mas se cala fronte a resposta. Nada é o que parece, nada é totalmente aceito e concebido. Pode soar invasivo e comediante diante do fato de que, muito antes de James Cook e sua trupe enfeitiçada, capturada pela Lua e suas influências incógnitas. Quem ousaria contrariar, Seung? O sobrenatural nos debruça diante da utopia, convencida e gananciosa, encher mãos com grãos incontáveis de areia, ampulhetas injustas, com a desculpa de que merecem mais do que o próprio coração, pessoas milenares. Portanto, sim, faço-me por pertencer e protesto diante dos homens falsamente apaixonados, olhos de esmeralda, saliva de ouro. Dentro de tudo, o nada, e é assim que se desvanece a sentença, tempo redobrado, rasgado. Escute e analise as percepções, Seunghee. É muito mais do que um pedaço mal manejado de terra.

Ciente da voz, ausente da mente. Eu poderia ter prestado mais atenção, mas a imagem ultrapassava a parede e extraviava o imaginativo, meu compreender e percepções no encalço de Seungyeon e meu amor acumulado. Quem sabe, então, compreendesse com maior precisam, sílabas confessas, redondas, crenças iluminadas e argumentativas, razões incontestáveis. Eu era uma exploradora irresponsável, mesmo após beijos e canções, a quarta orquestra secreta no ventre sólido. Assim teria descoberto a traição? O moleiro despedaçando e se transformando num adorno idiota de parede? Peixes espada. A natureza fala por si só, aprendi com ela, mas em razão da sabedora ou da ciência, histórias emaranhadas em tapa-olhos centenários. Eu ri. Erá tão claro, e tão distante...Ventos soprando canções contraditórias, medusas presas em corais revoltados e uma Bora Bora tão, tão distante. Ela podia ter me segredado em outras palavras, e, mesmo assim, eu não seria capaz de compreender.

Revestimento incontestável, ondas negacionistas, as camadas do vestido impedindo o desejo ㅡ Polinésia Francesa que arranca suspiros maldosos, fazendo-se de proteção sob a arquitetura. O feitiço voltando contra o feiticeiro ㅡ eu não sei qual a ideia do amor? Seria as precárias oferendas às dobras finas do espaço-tempo? Ou minha falta de compreensão e atenção aos pedidos de Seungyeon? Eu concordava. Era uma punição justa por ter negado o embeber ao seio, o prestígio de transformar a fantasia, rendada num submarino trancafiado por quatro cadeados enfeitiçados (então vocês, marinheiros idiotas, nunca estivera  longe o suficiente de serem minimamente parecidos comigo), mas nada se remediava, meu choro disparado contra a violência bruta do clima tropical. Bobagem. Uma grande e inacreditável bobagem. O bom senso decepado, circulado dentre bolhas gigantescas a falta de empatia histórico-geográfica.

E, por tanto amor, o lar. Não compreendi esse momento de pena, a irrecuperável sensação de bem estar. Nem as rochas e falésias redondas, murando mundos aquáticos do coração, e nem os esqueletos fossilizados de peixes espada sob alcance me fariam guerreira merecedora do que Seungyeon e sua linhagem sanguínea de magma turquesa, boêmia. Eu, que não sei a verdade, que não pratica a sabedoria patriota ou o recluso egoísta de um amor inventado. O cerne de um vulcão adormecido, hibernando eterno dentro da última constelação em auto destruição.

ㅡ meu amor está em bora bora. clc | 2seungOnde histórias criam vida. Descubra agora