2 | Escuridão

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Senti algo estar frio e pesado até me levantar para ajeitar o travesseiro e descobrir que não estava na minha cama, muito menos no meu quarto.
Era engraçado o fato de não me lembrar de nada, talvez eu só estivesse atingido um certo nível de insanidade. Sem quaisquer sons, pensei ter ficado surda, se não fossem por alguns passos ao longe.
Pegadas arrastadas e mórbidas.

— Tem alguém aí? — Me arrisquei na pergunta que fazia sons de eco pelo lugar.

Desisti de uma resposta plausível quando os passos inofensivos começaram a se aproximar. O barulho parecia surgir de todos os lados, então corri para qualquer caminho. Não tinha medo do barulho, tinha medo de um lugar tão escuro, tinha medo de nunca sair dali. Corri até os meus pulmões queimarem mas depois de alguns minutos de adrenalina finalmente parei, sé não descesses ao chão por forma voluntariaria seria obrigada pelo meu próprio corpo, provavelmente cairia em poucos segundos.
Abracei meus joelhos como uma garotinha assustada, fechei firmemente meus olhos. Não os abri até que o barulho tivesse finalmente cessado. Quando me dei conta, estava na minha cama.

Os surtos que minha mente me da ainda vão me matar.

Os bipes do relógio me alertavam: 4 da manhã. Pelo menos não eram três. Minha franja estava totalmente grudada na minha testa, limpei o suor enquanto passava os dedos trêmulos sobre meu colar, sentindo meu peito ir para baixo e para cima em uma respiração rapidamente irregular.
Não sai da cama, embora desejasse um copo d'água, meus pês latejavam o suficiente para sequer me mover.

Passei a madrugada em estado de coma, não conseguia dormir e não pretendia sair dali, olhei fixamente para o relógio, observei os números irem e virem com pressa. Só demonstrei vida as sete horas, quando enfim sentei na cama.
Olhos inchados, não sei se pela falta de sono ou pela cama que levantava poeira.
Um quarto totalmente escuro me agonizava, arrastei os panos da janela com os meus dedos apenas dando um espaço suficiente para meus olhos.
Vi um garoto da minha idade correr com uma scooter vermelha, não vi seu rosto, mas a scooter era linda.
Minha respiração embaçou a janela. Decidi por uma vez me preparar para a escola.
Fiz o de sempre, coloquei uma roupa larga para esconder minha magrez e calcei meus tenes surrados, meus cabelos não tinham muito segredo, ele era curto com uma franja desalinhada, era prático.

— Até que enfim levantou. — Minha mãe comemorava. Me arrastando delicadamente para a cozinha.

Deve ter sido difícil abrir a gaveta emperrada de tanto ferrugem, com tudo, ela parecia imensamente feliz colocando a mesa, alinhando garfos quase enferrujados e facas que não cortavam nem a carne mais macia.

Dei um sorriso torto, minha cara de sono me entregava as noites mal dormidas por sonhos mal explicados. A sopa de tomate estava servida em um prato fundo de vidro. Me sentei na mesa e em seguida minha mãe também. 

— Tudo bem? — Perguntou preocupada.

Assenti.
Menti. Não queria deixar minha mãe preocupada atoa por causa dos meus pesadelos matinais, ela já tinha muita coisa para se importar, como seu curso de enfermagem, por exemplo. Eu poderia cuidar dos meus sonhos sozinha. 

Depois do café da manha, minha mãe me levou de carro, pelo menos para me mostrar o caminho já que esse ato nunca será repetido novamente. Já que um ônibus escolar era caro, então eu tinha que contar com a ajuda dos meus pés, mas eles não trabalhariam muito, até porque a escola era considerada perto de nossa casa, igual absolutamente tudo ali, do shopping ao cemitério, tudo era perto.

Abaixei um pouco a vidraria do carro para poder me olhar no retrovisor manchado. Esfreguei minhas bochechas: como alguém consegue ter tantas sardas no nariz? Sardas de tons róseos e dourados, enquanto minha mãe não tinha sequer marcas de espinhas.
Ela era uma obra de arte, eu era um rascunho mal feito, muito diferente dela. Meu cabelo era preto, tão forte que parecia ter sido tingido. Mas o cabelo dela... era no tom mais divino dos cinzas.

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⏰ Última atualização: Oct 01, 2021 ⏰

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