O Mistério

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Sasha ainda acreditava na ideia de focar as pesquisas nas partes mais profundas das raízes e de tanto insistir acabou convencendo Michel : - Tudo bem Sacha, para retornarmos às raízes vamos recapitular o que já sabemos. - Já fiz isso - disse Sacha. Nos nossos estudos iniciais escolhemos as árvores sentinelas que ainda estavam em crescimento e detectamos que as raízes eram muito profundas, mas não medimos sua real profundidade. - Sim, me lembro disso. Através das amostras colhidas constatamos que essas raízes estão dentro do que podemos chamar de parâmetros de normalidade se não fosse o fato de terem conseguido perfurar o solo congelado. - completou Michel. - É aí que está a questão Michel ! Como não conseguimos acesso à parte final da raiz, aquela parte mais profunda dentro do gelo, fizemos análises da parte mais superficial. Então nosso argumento de parâmetro de normalidade não se sustenta. Esse trecho desconhecido de raiz talvez contenha a resposta que buscamos. - O que você sugere ? - perguntou Michel
- Sugiro passarmos a sonda de profundidade para saber a extensão e largura dessas raízes. Existe um modelo de sonda de última geração que poderá nos dar uma ideia mais detalhada, acontece que devemos pedir permissão para transporte e utilização, enfim todaa burocracia. Mas, acredito que valha a pena. - Está bem. Vou entrar em contato com a estação base para providenciar a sonda. - concordou Michel. Passados alguns dias o caminhão adaptado à neve estacionou perto das árvores sentinelas e descarregou a sonda de profundidade. Essa sonda era o que havia de mais moderno em termos de tecnologia de análises de solo. Atráves dela, cientistas constataram que o solo da Antártida podia chegar até 16 metros de espessura, colaborando muito para o avanço do mapeamento daquele continente. As árvores sentinelas foram as escolhidas para a medição. Durante a aplicação da sonda os números do marcador de profundidade não paravam de crescer chegando a 8 metros e 50 centímetros de largura. A sonda constatou também que as raízes das árvores sentinelasestavam conectadas com todas as outras árvores e plantas da área verde como sendo as matrizes daquela floresta. - Sacha, as raízes estão com 8 metros dentro do solo. Você tem razão ! De alguma forma, essas raízes conseguem sustentar todas as outras árvores. - Parece que conseguimos algum avanço hoje ! - disse Sacha bem animado. Determinados a continuar em busca da origem da área verde, Sacha e Michel depois de terem discutido quais os próximos passos a serem dados decidiram perfurar o gelo até atingirem o último trecho da raiz para fazerem uma coleta de material. E assim foi feito. Utilizando uma broca especial muito precisa conseguiram criar um túnel vertical paralelo a uma das raízes. A passagem aberta na neve permitia a entrada de apenas um homem e Sacha se ofereceu para descer e fazer a coleta. Apesar de ambos estarem ansiosos com a ideia havia sido de Sacha e Michel concordou que ele fosse o primeiro a entrar. A descida dentro da passagem foi feita com a utilização de uma corda de alpinismo. Michel ficou dolado de fora controlando a corda que estava presa a uma estaca fixa no solo enquanto, bem devagar Sacha foi sumindo dentro do túnel. Conforme foi descendo pelo túnel vertical, Sacha podia ver a longa raiz através do gelo. Percebeu que conforme se aproximava do seu trecho final, a raiz ia afinando sua espessura até que chegou ao seu término. Com uma pequena picareta, abriu a fina camadade gelo que o separava da raiz e pode ver que sua ponta era formada por uma pequena esfera de metal acinzentado e brilhante com uns 2 centímetros de diâmetro. Ao ver a esfera Sacha teve que se controlar muito para não perder a concentração e concluir a missão de registro e coleta do material. Inicialmente, fotografou a esfera e toda a parte final de raiz que teve acesso. Coletou as amostras da raiz retirando minúsculos pedaços. Ao chegar à esfera, não sabia como agir. Ficou alguns instantes observando-a fascinado até que a tocou. A superfície era totalmente lisa e mesmo usando luvas térmicas pode sentir o quanto era gelada, parecendo mais fria que o gelo. Tudo aconteceu de forma muito rápida. Abaixo da esfera uma fenda vertical se abriu. Sacha sabia que não se tratava de uma fenda natural, pois suas bordas eram muito perfeitas e a largura e altura permitiam sua entrada. Decidiu entrar, não podia recuar agora. Soltou-se da corda apoiando-se na entrada da fenda, virou de lado e foi entrando devagar. Lá dentro tudo era escuro e assim que acabou de entrar no novo espaço a fenda se fechou. Totalmente em pânico sentiu que um líquido viscoso e morno começou a vazarde algum lugar embaixo dos seus pés elevando seu nível muito rapidamente e em pouco tempo a fenda estava toda cheia do líquido. Sacha prendeu a respiração tendo a triste certeza de que morreria afogado. Segurou o ar o maior tempo que conseguiu e quando não suportou mais acabou respirando sentindo o líquido invadindo seus pulmões. Mas contrariando a expectativa, não se afogou. Percebeu que podia respirar naquele ambiente.Passado o susto e desespero iniciais, o cientista foi relaxando naquele local quente e acolhedor. Imagens passaram a surgir em sua mente. Imagens que seguramente não lhe pertenciam. Como se sua mente fosse a tela de um projetor. Viu o espaço sideral, a
atmosfera terrestre, uma chuva de meteoritos. Soube também que esses meteoritos carregavam material orgânico adaptável a qualquer ambiente da face da Terra. Sentiu-se no útero de uma mãe amorosa que lhe contava uma história e respondia suas principais perguntas. Depois de algum tempo o líquido foi baixando e Sacha tossiu retirando o líquido de seus pulmões voltando a respirar o ar gelado. A fenda se abriu e Sacha saiu pelo mesmo local por onde entrou. Pegou a corda que estava pendurada amarrando-se novamente para a subida à superfície. Todo o material que coletou e a câmera acabaram ficando dentro da fenda. Michel estava ficando preocupado, seu amigo havia descido dentro do túnel a mais de uma hora e durante esse período percebeu que a corda ficou frouxa, significando que Sacha havia se soltado. Já pensava em pedir reforços para outras estações de pesquisas quando sentiu que a corda voltou a ficar tensa e percebeu, para seu alívio, que Sacha estava voltando. Ao chegar à superfície Michel ajudo-o a sair da entrada do buraco vertical. E foi logo perguntando : - Como foi ? Conseguiu fazer a coleta ? Por que demorou tanto ? Você se soltou da corda?Percebendo que o amigo não proferia nenhuma palavra, não respondia nenhuma pergunta, parou de falar. Sacha estava sentado no chão olhando para o nada, como se estivesse hipnotizado. -Sacha você está bem ? O que aconteceu lá embaixo?Mas Sacha continuou calado. Depois de 3 dias de silêncio e isolamento Sacha resolveu falar :-Michel, me desculpe. Não sei como explicar a experiência que passei. Por que você não desce também ? Assim pode ver com seus próprios olhos. -Já desci.- disse Michel. Fiz a coleta por mim mesmo enquanto você ficou aqui no acampamento. - E então ? - perguntou Sacha ansioso.

-E então constatei o que já sabíamos. A floresta, incluindo seu trecho final de raiz tem as mesmas características de qualquer outra floresta tropical.-E a esfera ? Você viu a esfera de metal ? -Que esfera ? Não havia nenhuma esfera. - disse Michel com ar de descofiança. Sacha ficou pensativo, chegou a questionar se sua experiência havia realmente acontecido. Mas em seu íntimo sentiu-se privilegiado. Por algum motivo ele havia sido o escolhido. Naquela noite não conseguiu dormir, ficou pensando no que havia acontecido. Por que Michel não viu a esfera ? Será que ele não foi até a ponta final da raiz ? Percebeuque as informações que recebeu aguçaram seu desejo de saber mais e decidiu descer o túnel vertical outra vez. Levantou da cama vestiu sua roupa térmica, pegou o equipamento e saiu da barraca do acampamento. Achou melhor não acordar Michel que dormia profundamente. Na entrada do túnel vertical, amarrou a corda à estaca fixa e a si próprio e desceu. Ao alcançar a esfera tocou-a novamente enquanto mentalizava inúmeras perguntas que gostaria das respostas. Novamente a fenda vertical se abriu no gelo e ele entrou. Ao acordar Michel não encontrava Sacha em parte alguma. Desconfiou que ele pudesse ter voltado ao túnel vertical e foi até lá, encontrando a corda amarrada à estaca. Desceu para procurá-lo e não havia ninguém. Os dias se passaram e Michel teve que avisar a estação base que Sacha havia desaparecido dentro do túnel. Uma equipe de busca foi enviada em vão. Michel ficou desolado com o desaparecimento do amigo e colega de profissão. Acabou sendo desligado das pesquisas na Antártida por haver comentários de que ele seria o responsável pelo desaparecimento de Sasha. Nenhuma investigação formal foi aberta, mas o órgão administrador dos projetos preferiu transferí-lo para outra pesquisa e acabar com os rumores.
Três anos se passaram desde que tudo aconteceu. Michel agora estava envolvido em um projeto na Amazônia brasileira e o tempo ajudou a diminuir o luto e a sensação de injustiça por ter sido acusado pelo desaparecimento de Sacha. Um dia caminhando pela floresta amazônica, Michel lembrou-se da floresta tropical na Antártida. O fenômeno continuava sem explicações. Mas não queria voltar a pensar no passado. Nos últimos 3 anos era só o que havia feito e queria aprender a ter paz. Continuou caminhando entre as árvores, sentindo o cheiro úmido da mata. E em meio a contemplação seu rádio comunicador começou a chiar alto. Pensando ser a base chamando prontamente respondeu : -Alô base, Michel respondendo. — - Alô base, a transmissão está ruim, conseguem me ouvir ? E o rádio continuava chiando até que Michel ouviu uma voz que parecia vir de muito longe: —- -Sou eu. Sasha. -Que brincadeira é essa ? Quem está falando ? Michel gritou quase engolindo o rádio. -Sou eu. Sasha. Estou bem. E o rádio voltou a ficar silencioso. Depois desse episódio Michel pediu demissão. Não queria mais ser biólogo de campo e foi dar aulas em uma universidade. Recusou convites para palestras e nunca mais falou sobre qualquer pesquisa que realizou.

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⏰ Última atualização: Mar 21, 2019 ⏰

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