O Padeiro

58 3 0
                                    


Acordava cedo, mais cedo do que as pessoas que acordam cedo, chegava antes de todos, começava a aprontar a massa sozinho, seus ajudantes só chegavam meia hora depois, então assavam os pães e quando a padaria abria religiosamente às 6h, os pães já estavam na prateleira para os primeiros clientes, os que acordavam apenas cedo.

Ficava preparando massas de pão até às 8h, passava o resto da manhã limpando sua cozinha e ajudando os outros a fazer as bolachas e bolos, nunca fora muito de conversar, falava o essencial e até menos que isso. Mesmo estando sempre rodeado por seus funcionários nesse período, não seria uma mentira dizer que sua única companhia era o rádio que era ligado assim que ele chegava, tocava as músicas sertanejas que eles não gostava mas que seria por apenas meia hora e que depois iria iniciar o programa de notícias, ao menos das notícias não podia fugir, gostava de saber de como o mundo estava.

Sua sócia na padaria chegava às 7h30, então conferia como estava tudo na padaria, trocavam um breve aceno que não poderia ser mais forçado, ele passava meia hora dando pequenas olhadelas para sua ex-mulher, e que logo eram desviadas antes que alguém percebesse que ele ainda nutria algum sentimento por ela.

Às 11h30 saía para casa, que ficava vizinha à padaria, então nunca esteve longe de seu trabalho, o rádio era desligado pelos funcionários que ficavam esse tempo ocioso assistindo à televisão junto à sua sócia que almoçava lá na padaria mesmo, todos os dias sua ex-sogra vinha trazer o almoço dela e de algum funcionário que ficava ao menos uma vez por semana o dia todo depois que a padaria passou a ser também uma lanchonete devido à uma escola que foi inaugurada depois do seu divórcio.

Sua rotina diária continuava com sua volta às 15h para a cozinha e sua labuta de fazer as massas dos pães que seriam servidos, ficava até às 18h quando saía a última fornalha, levava consigo uma sacola com pães feitos durante a manhã que não seriam vendidos no outro dia nem seriam usados para torradas ou farinha de rosca, distribuía esses pães com pessoas que não podiam comprar, geralmente famílias carentes de um bairro do outro lado da cidade. Aprendeu a fazer com seu pai que lhe ensinou a profissão e também era um bom exercício pedalar pela cidade à noite, não era uma cidade tão pequena então sempre tinha alguns estabelecimentos abertos e gente na rua. Então finalizava o dia cedo às 21h, e logo que se banhava ia dormir, exausto.

Chegou então o dia em que se levantou da cama, acendeu a luz mas ela permaneceu apagada, isso não o impediu de se aprontar para o trabalho, e nem de chegar ao seu posto, tentou também ligar o rádio que funcionava à pilha, sem sucesso, acendeu às luzes de emergência e começou sua labuta com um atraso que lhe deixou chateado. Tomou um susto quando o rádio ligou e ao invés das músicas que não gostava tinha uma voz sem sentido tentando estabelecer comunicação.

As únicas palavras audíveis pelo seu idioma era algo como "isso não é uma invasão, é uma salvação".

Invasão/SalvaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora