Flores de ipê branco soltavam-se de seus galhos e esvoaçavam pela brisa primaveril de uma manhã que timidamente começava a se mostrar. Suas raízes, belas e fortes, fincavam-se em solo controverso, rodeados em um gramado de uma antiga base militar abandonada, a poucos metros de um cais marítimo. Aquela era a natureza, mostrando suas perfeições em complexos enigmas para o pequeno imaginário humano.
Ao longe, protegidas das poucas emissões dos raios solares em um gazebo florido a pouca distância do cais, duas figuras olhavam em silêncio os navios atracados e as poucas embarcações que seguiam sem pressa rumo ao alto mar. Em um balancear de vento que ousou desfazer seu penteado, a mulher de cabelos tão vermelhos quanto os desejos humanos, segurou com cuidado seu chapéu. Era inegavelmente bela, apesar dos sinais que evidenciavam a meia idade que lhe amadurecia. Ao seu lado, vestida em leves rendas brancas, a moça assistia a breve irritação de sua acompanhante.
Havia algo de semelhante nas duas, embora os cabelos prateados da mais jovem entrassem em completa antagonismo aos ruivos da mais velha. De fato, os traços delicados da moça denunciavam que a acompanhante era sua mãe, apesar da inegável dominância paterna em seus genes.
— Você acha que o papai vai gostar da cerimônia? — A moça lançou um olhar para o cais, onde tapetes e pétalas levavam até um arco caprichoso frente ao vão do mar.
A mãe, profunda em um caleidoscópio de emoções em ver a filha vestida de noiva, suspirou ao olhar para mesma direção. Trazia no colo a capa militar do marido, dobrada com esmero.
— Com certeza ele irá gostar, Kasui. — Sorriu para ela com devoção. Reconhecia naqueles olhos púrpuros o homem que tanto amava. Com cuidado, estendeu as mãos e acariciou as bochechas rosadas da filha, certificando-se que seu penteado estava perfeito.
A moça olhou nos olhos da mãe e por um momento poderia-se dizer que estava prestes a chorar. Dentre os milhares de motivos que poderiam levar uma noiva às lágrimas, o seu era uma daquelas exceções que lembravam a mãe do quão cruel poderia ser o mundo.
— Mamãe, eu sinto medo. — Falou baixinho. Um leve reverberar fazia seu peito subir e descer sem ritmo. — Meu noivo vai embarcar amanhã com o seu pelotão e eu temo tanto por sua vida.
E Karin sabia muito bem qual o sabor daquele temor. O pai de sua menina, assim como o futuro genro, também havia sido um fuzileiro naval em época de guerra.
— Minha filha, nunca é fácil ter no coração um homem apaixonado pela sua pátria. — Karin suspirou, saudosa de seu próprio passado. — Foi assim comigo e seu pai e agora será com você, minha querida. Precisará aprender a ter força e a esperá-lo voltar para casa.
— Mamãe, eu não consigo entender. As vezes sinto que jamais conseguirei ser forte como a senhora. — Kasui olhou para a mãe com os olhos a ponto de transbordar.
— Você precisa se acalmar, minha filha. Seu pai jamais iria querer vê-la chorar em seu casamento por um motivo que não fosse felicidade. — A ruiva ponderou com a filha.
A moça abriu um sorriso tímido para a mãe.
— Mamãe, me conta a história do dia em que você e o papai ficaram juntos?
— Não vou falar essas coisas pra você. Não é adequado, Kasui. — A mãe cruzou os braços, envolvendo o embrulho que carregava em um abraço. — Onde já se viu, uma mãe falando essas coisas para sua filha moça.
— Mas hoje é meu casamento, mamãe... Por favor, eu não conto pra ninguém. — Kasui sorriu, crente que a mãe não negaria seu pedido. — Não se preocupe, temos tempo até a cerimônia.
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Fuzileiro
FanfictionCom mais uma guerra em estouro, às vésperas do casamento de sua filha, Karin senta-se com ela sob o sol da manhã e lhe narra sobre o dia em que havia conhecido o grande amor de sua vida e como aquele primeiro encontro mudou o rumo de toda a sua hist...