A combinação entre a luz alaranjada e a sombra acentuada das chamas da lareira dava à sala de estar do chalé um perfeito ambiente para se contar uma história. Ainda mais sob o tempo chuvoso que impossibilitava (em tese) as crianças de brincarem lá fora. Cris costumava dizer que o vovô parecia controlar o tempo, pois sempre que iam para lá, chovia. E a chuva na casa do vovô era sinônimo de histórias.
- Pode sentar Cris, vem aqui perto. – O vovô parecia com um rei, um rei bem velhinho, é verdade, mas que quando sentava em sua cadeira parecia o dono do mundo. – Hoje eu vou contar uma história chamada O Estudo em Esmeralda.
- Você já contou essa, vovô. – Julia sempre falava como se o que acontecia com ela fosse o evento mais importante do mundo. - Já contou essa, já contou a do menino que tinha um amigo fantasma, já contou aquela do mistério da estrela, por favor vovô, conte uma nova. – Ela sabia que o vovô sempre atendia seus pedidos.
E ele costumava dizer que esses eram seus momentos preferidos. Outro dia ouvi vovô dizer que a sensação de colocar um pouquinho de magia na vida das crianças era a verdadeira felicidade.
- Bom, crianças, já que vocês querem algo diferente, e que seus pais não me deixam contar histórias de terror, eu vou contar uma história muito importante para mim. A primeira história que dei para Susan ler. – Disse vovô com um sorriso de canto de boca. Essa era uma de suas criações preferidas, a primeira história que tinha escrito para a vovó.
- Era uma vez um pacien...
-Vovô, histórias que começam com era uma vez são para bebezinhos. – Disse Isabela, interrompendo o avô com uma confiança que somente crianças espertinhas poderiam ter.
- Ah sim, é... esqueci que vocês não são mais, é... bebezinhas, na verdade já são bem crescidas. Bom... – Disse o avô se fazendo de envergonhado, mas que no fundo estava orgulhoso pela autonomia de suas netinhas. – O Nome dessa história é A morte do amor. E eu vou contar para vocês como eu contaria para um adulto.
...
Era um leito de hospital fantasmagórico, como todos os leitos de hospitais são. branco como as nuvens, talvez para fazer uma passagem menos traumática para o céu? Bom, de qualquer forma a intenção era criar um espaço de paz e completude, sem que nenhum elemento pudesse tirar a tranquilidade do paciente.
O engraçado (ou trágico) de um hospital é que a pior coisa nesse caso é a paz, pois ela representa o conforto da conformidade de encarar o inevitável caminho para a eternidade.
Em paz, como a maioria dos pacientes à beira da morte, estava o amor. Sentindo por seus últimos momentos o calor da vida aquecendo o seu corpo. Corpo esse que carregava o orgulho de uma existência gloriosa que fora forjada para durar para além do tempo de uma vida. Os mais otimistas diziam que deveria durar para a eternidade.
Mas a eternidade é uma utopia, e a vida desse paciente nunca foi fácil. Que como um filhote de zebra, precisou se virar segundos após seu nascimento. Tímido e confuso, trilhou seu próprio caminho, aprendendo com os erros e se moldando conforme crescia. Ele poderia servir de analgésico, poderia servir de motivação, poderia fornecer coragem, e ao mesmo tempo ser uma das poucas fontes de alegria sem prazo de validade definido. Seu superpoder é explorar lugares onde somente ele é capaz de ir, caminhando em direção oposta a razão, seu antagonista natural. Dizem que apesar de se odiarem, o amor e a razão não podem viver sem o outro, pois ao serem soberanos, hão de sucumbir à loucura.
Para se defender das investidas da razão, o amor conta com seu anjo da guarda, a esperança. É com ela que tudo começa. A raiz da essência humana, e que cuida do amor até o fim. No hospital seu papel se acumulava, forçando-a a ser enfermeira, médica e pesquisadora. Sendo obrigada a buscar a todo custo uma solução milagrosa e salvadora. Procurava por referências de casos que deram certo, e se não bastasse, se baseava em filmes de comédia romântica com finais felizes. Tudo isso para tentar garantir uma sobrevida maior ao seu paciente preferido.
Mas nem apenas a esperança é capaz de resolver todos os problemas. Com os anos e com o decorrer da vida, algumas lições ficam para facilitar o presente e o futuro. É preciso conhecer os limites dos sentimentos. Por mais difícil que pareça, acredite, com o tempo lidar com eles fica mais fácil.
Esperança sabia mais que ninguém que era preciso dar todas as chances possíveis para o amor crescer e se estabelecer no coração, mas também sabia que a maturidade traz consigo a sensibilidade de perceber quando ele se acaba.
E esse era o momento do fim desse grande amor. Um amor que cresceu com beijos e carinhos, que se fortaleceu ao som de risadas verdadeiras, que se tornou único com uma série de estranhezas em comum, e que de tão poderoso, fez horas passassem por minutos, e minutos virarem eternos.
E que no fim, em uma triste ironia, o mesmo amor que inúmeras vezes fez o coração acelerar, ia desfalecendo à medida que o seu próprio parava.
Com o olhar pesado e uma expressão cansada, a esperança registrava sua voz pesarosa e doce em um gravador portátil. Definindo o momento exato da morte desse amor. Ela era a última, e a única que acompanhou seu paciente do começo ao fim.
-Hora da morte: 17h45.
Às 17h48 minutos a razão fora avisada.
Pelo contrário do que se esperava, ela não ficou feliz. Apesar de alertado a vida inteira sobre as possíveis consequências de uma mente entregue ao amor, cabia a ela também sentir, e ponderar o que tinha feito de errado.
A dor de um amor que deu errado não se trata apenas de uma dor física, e sim de algo muito mais profundo. Um vazio imenso que suga suas vontades desejos e auto estima por meses, ou até por anos. A princípio é como se a mente fosse um vidro, e a dor uma marreta. Com o passar do tempo, essa sensação se vai. Transformando os cacos em um deserto o vazio que constantemente te lembra de sua existência. Fazendo-o por muitas vezes se sentir perdido e com vontade de voltar para a casa.
Mas por pior que isso seja, ele passa.
No fim, o que a esperança não sabia, é que a sua ingenuidade transforma a morte de um amor no nascimento de outro, e o mesmo leito que antes fora um leito da morte, agora se tornara um leito da vida, dando à esperança um novo filho, um novo amor, tímido e confuso como o anterior, mas renovado e ansioso para redescobrir as sensações únicas que somente ele poderia ter e provocar.
- Afinal crianças, enquanto houver esperança, um novo amor há de surgir. É só aguardar.
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