ponta dos pés

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Eu sempre tive uma genética alta, todos da minha família eram altos, então enquanto eu fui crescendo e crescendo até passar a altura dos meus irmãos não fora nenhuma surpresa, pra ninguém. Mesmo com a minha personalidade mais amorosa e até mesmo dengosa. Eu era aquele tipo de pessoa fofa que havia crescido mais do que o necessário.

Eu estaria mentindo se reclamasse da minha altura. Eu adorava ser alto. Eu não precisava de ajuda para pegar nada de uma loja, um livro em uma biblioteca e nem pra guardar nenhum prato no armário da cozinha. Eu podia ver a paisagem de um lugar de forma mais ampla e em shows ou buskings eu não precisava me esforçar muito para ver.

Claro que tinham os contras. Tinham algumas portas que batiam na minha testa, eu precisava mudar de lugar na sala, pois as pessoas atrás de mim não conseguiam enxergar, e isso valia em shows também. Sem falar de sempre ser "pega lá pra mim?" dos baixinhos.

Mas eu sempre fui do tipo que vê copo meio cheio, então sempre via os meus prós mais legais que os contras. São coisas que a gente aprende a gostar. Não precisamos viver frustrados sempre da forma que somos, se nascemos assim ou assado. O importante era saber curtir a vida e extrair o máximo do que se podia em todos os casos.

Falando em extrair, eu lembro do meu último relacionamento. O que parecia mais uma daquelas máquinas que extraiam todo o suco da fruta, só deixando o bagaço. Era um esforço enorme conseguir seguir seus passos, e a sensação de sempre ficar para trás era horrível.

Com seu nariz empinado e olhos centrados que me conquistaram um dia, e em outro me fizeram notar que aquele tipo de pessoa rude e prepotente não combinava comigo, de qualquer forma. Sim, essa pessoa era mais baixa que eu, mas eu nunca me importei com isso, achei até que isso era um sinal de que nos encaixavamos muito bem nos abraços. Se houvessem abraços, é claro.

Eu não entendi como podia caber tanto orgulho dentro de uma pessoinha tão pequena - comparado a mim - mas que me fazia sentir tão pequeno e indefeso com poucas palavras. Palavras tão geladas quanto gelo, tão crueis quanto álcool em feridas.

Lembro exatamente no dia que eu quis realmente acabar com aquilo. Elu me ligou de manhã avisando que adiantariam sua apresentação e que já estava indo se aprontar, pois tinha que estar impecável. E desligou sem ao menos me perguntar como eu iria, ou se eu iria chegar lá a tempo. Sempre olhando pro seu próprio umbigo.

De fato, não consegui chegar a tempo. Tinha perdido uns 10 minutos do monólogo já, mas eu já sabia qual e como era. Claro, me fez de cobaia para ouvir seus incríveis argumentos e sacadas do seu trabalho sem se importar que eu tinha poucas horas para dormir e meus próprios problemas acadêmicos e profissionais.

Minhas olheiras denunciavam meu mal-humor e falta de disposição. E eu achei que elu ainda precisava de mim para algo. Que nada, eu era apenas um chaveiro para enfeitar sua bolsa Louis Vitton. Aquele puro charme se tornou um ranço na minha garganta que mal consegui suportar até o começo da noite, que foi quando pude me aproximar.

Meus olhos estavam mais do que lubrificados para não dizer que eu estava quase aos prantos. Na sua finalização da palestra, muitas pessoas chegavam em si u cumprimentando. Aquela atenção sobre si próprie arrancava sorrisos dos quais eu nunca mais tinha visto, e sinto que jamais tirei de verdade.

Quando senti minhas panturrilhas doloridas, abaixei os calcanhares que até então não tinha notado que havia levantado. Uma multidão aclamava por aquela pessoa que encantava com suas palavras bonitas e seu jeitinho esnobe. Mas eu, que era a sua pessoa mais próxima, apenas aclamava minha cama. Precisava a todo custo descansar. 

Não sei quanto tempo fiquei na ponta dos pés tentando te alcançar, mas sei que foi tempo de mais. O pior era que eu nem precisava disso para te alcançar porque na verdade eu já havia te superado a muito tempo, eu só não havia percebido.

Tiptoe - YungiOnde histórias criam vida. Descubra agora