Prólogo

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Uma vez — há muito tempo — li uma frase que me fez pensar muito sobre ela. Era uma frase simples, mas que por algum motivo mexeu comigo. Aquelas palavras martelaram muito na minha cabeça e por muito tempo, pois, ao pé da letra elas não faziam o menor sentido. Mas quando expandi meu pensamento, eu percebi seu real significado. Ela dizia mais ou menos algo como: "A lágrima mais pesada é a que não cai."... Bem, eu vejo verdade nisso, sabe? É comum que choremos quando nos vemos em situações estressantes ou que não estamos habituados. Situações que nos magoam de verdade. Mas e quando estamos magoados e tristes há tanto tempo que sequer percebemos que as lágrimas não descem mais? Talvez, nós humanos, choremos para expulsar toda a mágoa que estamos carregando. Com sorte, choramos por felicidade. E quando não conseguimos fazer isso? E quando toda essa mágoa se torna um grande novelo dentro de nossas cabeças?

Foi aí que entendi o que aquela simples subjetiva frase significava. Quando deixamos de por para fora tudo de mal que sentimos, nós acumulamos, — nossa mente acumula — como sucateiros. Talvez estejamos acumulando mágoas de meses, ou anos de vida. Quem sabe? Sentimentos ruins que ninguém deveria carregar por tanto tempo sendo engavetados em cada minúsculo espacinho das nossas lembranças, até se tornarem um grande ferro-velho de emoções. Sentimentos que deveriam ser largados para fora, mas que por alguma razão, ou alguma barreira psíquica, somos incapazes de abandonar. Eu teorizo de que nós mesmos somos essa barreira. Nos impedindo de libertar desse emaranhado. Impedindo de que possamos buscar ajuda, seja de um outro alguém ou da parte consciente do nosso coração.

Posso dizer que sempre fui uma pessoa emotiva, possivelmente muito mais do que a maioria acredita pensar e afirmar com suas palavras que sou. É claro que, eu jamais seria capaz de me encobrir de razão, ou me sobrepor a qualquer outra pessoa, mas eu vi o mundo como um lugar doente. E vi esse lugar muito mais cedo do que outras pessoas costumam enxergar — quando enxergam.

Um garoto essencialmente quieto, com uma imaginação fértil demais para ser equiparada a de outra criança. Um garoto que, apesar de jogar bola na rua, ou andar de bicicleta como qualquer outra criança da vizinhança, não se sentia à vontade com o mundo. Esse garoto nunca entendeu porque isso acontecia, afinal ele estava recém aprendendo sobre a vida e como ela funcionava. Por outro lado, não demorou muito até que ele se desse conta de que algo de errado havia com aquele lugar. Que apesar do azul do céu ou o verde das árvores, o mundo era um lugar escuro e sem cor, e ele não entendia o porquê. 

Ainda em meados da infância, me isolei. Mas não por algum trauma ou alguma doença. O isolamento veio da indignação pelo que via. A frustração de estar em um lugar que não parecia certo para mim. Esse lugar era doente e eu não podia curá-lo. Então eu o repaginei com minhas ideias, com o coração bondoso de um garoto. Colori todas as páginas escuras com cores vivas que pareciam mais adequadas. Dei cor às pessoas e ao que faziam. Coloquei sorrisos às expressões que antes pareciam tristonhas e deturpadas. Esse era o mundo que eu queria ver, mas esse mundo não passava de uma imaginação. Uma mentira que eu contava para mim mesmo.

Toda essa frustração veio à tona conforme crescia. E as páginas que eu havia colorido desapareciam uma após a outra, sem nenhum sinal de antecedência. Percebi que as pessoas nunca seriam tão coloridas quanto imaginei que poderiam algum dia ser. Eu entendi que a realidade era daquela forma...amarga.

O processo de readaptação ao mundo real não foi algo fácil, afinal eu me via como uma brasa no meio das cinzas de uma fogueira que havia se apagado, e não demoraria até que eu tivesse o mesmo fim.

Enfim, antes de continuar a história, eu preciso falar de um outro assunto que eu não posso simplesmente deixar de lado. Recentemente, alguns fatos na minha vida me fizeram concordar com a existência ou não do "destino". Eu nunca coloquei muita confiança quando me falavam que certas coisas estavam predestinadas a acontecerem, e isso me deixava frustrado porque se aquilo existia eu queria então poder evitar todas as coisas ruins. "Se era inevitável, então por que eu não posso ao menos passar só por coisas boas?" Eu respondia. Mas esses mesmos fatos que aconteceram comigo recentemente mudaram totalmente a minha ideia de coisas predestinadas. E agora posso dizer com convicção que acredito nelas. Às vezes, precisamos passar por coisas ruins, por vezes coisas horríveis para chegarmos ao momento certo. Ao lugar que pertencemos.

CinzasOnde histórias criam vida. Descubra agora