Capítulo Único

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I can feel you watching
Even when you're nowhere to be seen
I can feel you touching
Even when you're far away from me

Espremia-se contra a grade, em uma tentativa de aproximar-se daquele que cantava no palco. Sabia que o poderia encontrar em tantos outros lugares, mas preferia estar ali, sendo envolvida por cada batida que ele emitia. Parte de seu corpo almejava invadir a pequena elevação onde os instrumentos se encontravam nas mãos de seus respectivos donos, mas o pouco bom senso que possuía evitava que o fizesse.
Já tinha em sua mente as cenas seguintes planejadas. Faria de tudo para chamar a atenção do baixista, afinal, se um dia ele se encantou por ela, não seria muito difícil se render novamente.
O pub estava lotado. Os meninos faziam sucesso há algum tempo, mesmo nunca conseguindo decidir o nome da banda e variando isso a cada apresentação, todos da região os conheciam muito bem, devido a eficiente divulgação e ao carisma deles. Talvez, o rosto juvenil e os colegas de universidade ajudassem bastante com isso. 
Aquele que tocava a bateria, tinha os fios castanhos, bagunçados de uma maneira tão natural, que não parecia ficar horas em frente ao espelho, procurando por sua perfeição. Irwin. Ashton Irwin. Alguém que, mesmo exposto ao fundo do palco, chamava tanta - ou ainda mais - atenção quanto os outros. Podia arrancar suspiros apenas balançando sua cabeça no ritmo da música, enquanto mordia os lábios concentrado. Os outros meninos eram estonteantes, mas nada se comparava aquele. Não para ela, pelo menos.
Em um lapso, Ashton permitiu-se abrir os olhos e admirar a menina que estava na primeira fileira. Arrependeu-se logo em seguida. Perdeu a concentração. Sabia que ela estaria ali. Ela sempre estava no mesmo lugar que ele. Era uma espécie de perseguição. Podia acreditar que estava - como todas as outras - apenas apreciando o show, mas o cartaz em suas mãos o provava o contrário.
Afastou seus pensamentos como pode, inserido nas batidas fortes e rítmicas que não poderia errar.
Algum tempo passou, eles tocaram algumas músicas que as meninas enlouquecidas amavam, algumas melodias sacanas que tinham muito mais a cara deles. 
Conforme a apresentação chegava ao fim e os aplausos ecoava por dentre o acústico, Ashton sentia seu coração disparar. Nunca imaginou que poderia ser tão bom ser músico. Vivia com seus amigos, batucando pelos móveis, carros e todos os outros cantos em que alguma melodia percorriam sua mente. Além disso, podia conquistar mulheres sem nenhuma dificuldade. A vibração de ter tantas pessoas reconhecendo o seu som era tão nova e deliciosa como perder a virgindade. Era uma boa comparação em sua mente.
Saíram após despedirem-se e seguiram pelo corredor escuro até o camarim. Precisariam de um tempo para se reorganizar, guardar os instrumentos e então poderiam voltar para a festa. E após algumas doses de álcool, muitos xavecos e algumas canções sussurradas à ponta do ouvido, teriam uma bela noite, acompanhados de jovens lindíssimas. Era sempre assim.
Ashton apenas guardou as baquetas em sua caixinha especial. Enquanto os amigos distribuíam seus instrumentos pelo carro ao lado de fora, decidiu beber um pouco. Abriu o frigobar e encontrou uma cerveja; não era sua favorita, mas teria que servir. Jogou-se na poltrona grande e marrom, levando-a a boca. 
Três batidas na porta. E um entre nada sútil do garoto, como era de costume. A porta se moveu lentamente. Dela surgiu aos poucos a figura de curvas suntuosas, sorriso meigo e mel incomodo. Já não tão são, Ashton pensou que poderia passar várias noites, tendo o prazer de contemplar o corpo desnudo da garota. Mas não era assim tão simples com ela. Evelyn Costa – era esse o nome dela – poderia ser linda e fazê-lo homem como muitas não conseguiam, mas se apaixonava com facilidade.
Mas não era isso que Irwin temia. Uma mulher apaixonada por ele. Mas acima de tudo, sabia que era do tipo de garota insistente, que bateria os pés e iria atrás dele no inferno se fosse necessário para tê-lo para ela. Era melhor que isso não acontecesse. Fugir de relações. Ter isso em mente seria importante.
Evelyn bateu a porta atrás de seu corpo, girando a chave algumas vezes, em seguida conferiu se estava bem fechada.
- Ei, o que você pensa que está fazendo? – Irwin gritou por erguendo seu corpo para checar.
- Vim te fazer feliz, meu amor! – Levantou a garrafa de vinho que estava em suas mãos.
O roupão rosa que cobria sua lingeriefoi aberto aos poucos. Expondo partes de carne que fariam em poucos minutos a estrutura de Ashton render-se a ela. Era melhor que fosse forte. Levantou-se em um impulso e girou a chave, desfazendo o ato de Evelyn.
- Você é louca! – Exclamou um tom acima do necessário. – Pode saindo daqui!
Ela riu doce.
- Já fez isso antes, Irwin. – Sussurrou sexy. – Não será tão difícil para você fazer isso de novo.
Em um rosnado, agarrou os pulsos da garota e a jogou contra a parede. Sendo pressionada apenas pelo corpo do rapaz e seu amiguinho inconveniente, que fazia questão de excitar-se naquela presença.
- Garota, você não entende que eu não gosto de você? Que eu não quero nada com você?
- Mas Ashton, tenho certeza que gostou tanto daquela noite quanto eu. Me disse coisas lindas! – Sorriu sincera.
- Aquela noite. – repetiu mais para si mesmo do que para ela – Aquela noite foi um erro, Costa. Um erro que eu não irei repetir.
- Tem algum problema comigo, Ashton? – Perguntou segurando o choro.
Riu incrédulo.
- Se tem algum problema com você, Costa? Todos. Todos os problemas. Eu comi você muito bem, mas isso não quer dizer que...
- Que eu seja boa o suficiente? – Saiu como um gemido dentre as lágrimas que já percorriam o rosto da menina.
- Ainda bem que me entende. – Afastou-se.
Evelyn caminhou em direção a porta. Então girou para encará-lo. Esperava que dissesse uma frase de efeito antes de sair, como todas as mulheres fazem. 
- Lembra meu nome. Se não tivesse sido bom, não lembraria. – Sorriu vitoriosa.
Ashton levou a mão a testa, dando socos leves na região, pensando em quanto uma pessoa poderia se humilhar.
- Eu lembro o seu nome, porque se pudesse, bloquearia você em todas as redes sociais. Decorei seu nome para poder proibir sua entrada em todos os lugares. – soltou um suspiro – Por que faz tudo tão difícil? Podia ser só sexo, mas você faz questão de ser alguém tão insuportável, que meu corpo consegue recusar isso. 
Dito isso empurrou a garota pela fresta aberta, colocando seu blazer sobre o corpo seminu dela, apenas para não ser acusado de assédio. E se fechou ali. Escutou-a desabar em seus soluços, fazendo com que seus olhos rolassem. Não era como se Irwin não tivesse coração e fosse capaz de maltratar qualquer uma. Era que Evelyn o tirava do sério. Não sabia como, mas tinha uma capacidade incrível de interpretar erroneamente a frase “É só sexo” ou o clássico “A gente transa e você some! ”, mas o que mais o irritava era que ele acaba cedendo. A tratava bem no ato e em seguida, tinha de fugir.
Não era do tipo de cara que pegava a menina só uma vez. Não se importava com o número de vezes que se aproveitava delas. O problema era quando se apaixonavam, sempre acabava tendo que quebrar seus corações e ganhava uma repercussão que dava a ele fama de destruidor por mais um tempo.
Era acostumado a conquistar corações. Poderia expor uma coleção de mulheres apaixonadas e odiava ter que as desiludir, afinal mulheres apaixonadas, fazem loucuras. Todavia, sempre fazia isso para o bem delas. Não era por falta de experiência com as palavras de término. Era pela incapacidade que Evelyn possuía para entender sua insatisfação em relação a suas crises de ciúmes, suas investidas inconvenientes, que o irritavam de tal modo, que o fazia agir como o pior dos cafajestes.
As lágrimas escorriam livres pelas maçãs do rosto da garota que ao mesmo tempo deslizava o dorso de suas costas pela porta, levando alguns goles da garrafa de vinho a boca. Não era como se acabara de sofrer uma grande desilusão amorosa. Era algo mais próximo da rejeição. E acreditem, a rejeição pode fazer doer como quase nada foi capaz de fazer.
Em pouco tempo o líquido daquela garrafa preenchia o corpo de Evelyn, sua sanidade tirava o mundo de foco e tornava o sentimento ainda mais infame. Apenas colocou-se de pé para seguir um rumo qualquer quando os amigos de Ashton acompanhados de seguranças a tomaram nos braços e a expulsaram dali.
Podia ter ficado encostada na porta dos fundos, onde a deixaram e continuar com seus soluços. Talvez, fosse mais inteligente do que andar pelas ruas apenas com um blazer sobre os ombros, mas não passou por sua mente o perigo que corria.
O álcool presente em seu sangue tornava todas as ruas iguais, as placas ilegíveis, as retas curvas e as curvas ainda mais sinuosas. Seria difícil achar o caminho para casa naquele estado.
Passava por uma rua escura, vários moradores de rua a analisavam generosamente em suas passadas. Por incrível que pareça, ela sequer tinha ideia disso. Foi quando uma mão alcançou seu punho. Como em um choque de realidade, seu coração disparou e os segundos em que ela virava a cabeça para analisar o que interrompera seu percurso, seguiram em câmera lenta.
Era uma senhora.
Graças a Deus era só uma senhora. Seu rosto desfoque aos olhos de Evelyn tornava-se ainda mais sombrio na penumbra criada pelo manto que caía desde os fios grisalhos até os pés. Não conseguia ver detalhes, era como uma miragem que a assustava consideravelmente.
- Por que choras? – Perguntou.
Sempre ouviu conselhos que alertavam “Não converse com estranhos! ”, mas durante aquela noite, era a melhor opção. A única opção. Era a única chance que Evelyn tinha de desabafar e manter ela e sua dignidade intactas.
Após soltar um longo suspiro e engolir algumas lágrimas como podia:
- Tem um cara.
- Eles sempre são o problema. – Prestou suas condolências.
Esboçou um sorriso e prosseguiu:
- Ele é baterista de uma banda, a “5 seconds of summer” e estuda em minha universidade desde... Sempre. O fato é que há alguns meses, fui a um show deles sem muitas expectativas, apenas para me divertir com minhas amigas. Quando eu cheguei lá, ele tocou para mim. Tocou em mim. E eu cedi. Cedi como nunca antes. Deixei-o deslizar suas mãos por toda a extensão de meu corpo durante o beijo. E então me entreguei a ele. Ah, ouvi palavras lindas, mas quando acordei na manhã seguinte... Ele não estava mais lá.
A mulher riu, como se apenas tivesse a constatação de uma obviedade.
- O fato é que isso se repetiu várias e várias vezes. Eu me vi, tão apaixonada como alguém poderia estar. Nós tínhamos um relacionamento, sabe? – A senhora assentiu. – Então um dia o encontrei aos beijos com outra mulher. Dei umas boas bofetadas na cara dela. E então, recebi um tapa estalado bem no meio da cara. Mas não tinha sido a vadia que se escondia atrás dele e sim, o cara pelo qual eu me apaixonei. – Mais um suspiro. – Apesar de tudo isso. Eu sei que ele vai ser meu. Ele gosta de mim, só não está pronto para admitir isso. Está escrito nas estrelas.
- O que te faz pensar que ele gosta de você? – Perguntou.
Evelyn listou em sua cabeça todos os motivos que encontrou nos últimos meses. Os avaliava sabendo que nenhum deles seria suficiente, mas a conjuntura era o que a fazia enamorada.
- As palavras que ele me disse. As promessas que me fez. O jeito como em meio à multidão ele sempre encontra meus olhos. Seus olhares cúmplices dirigidos a mim. O jeito simpático que me trata quando está sobreo. Sua preocupação em não me deixar sair nua pelas ruas... Posso ter certeza que ele me ama. 
A mulher riu. Riu como qualquer pessoa em sã consciência faria. Mas Evelyn não se abalou. Já estava acostumada com aquele tipo de reação, apenas deu de ombros, preparada para seguir seu caminho.
Após examinar cada linha da mão da garota, abriu um sorriso leve, diferente do cômico que habitava sua expressão segundos atrás. O casal precisava de um empurrãozinho.
- Esse, por acaso, seria o casaco dele? – A senhora perguntou.
- Seria, sim. – Evelyn assentiu levantando o blazer como uma confirmação.
- Posso ficar com isso? – A senhora perguntou. – Sei como fazer ele se apaixonar por você. – Completou sorridente.
Obviamente já tinha visto isso em filmes. Uma senhora, que a lembrava – no atual momento – a madrasta da branca de neve, quando disfarçada de velhinha. A fazendo uma pergunta daquelas. E provavelmente em seguida, desapareceria com o blazer do qual ela não teria mais notícias. E então, Evelyn se encheria de esperança em relação ao seu relacionamento com Ashton. Mas nada teria mudado. Absolutamente nada.
Mas é óbvio que com a velocidade que o cérebro dela processava as coisas àquela hora da noite, com o teor alcoólico que percorria sua corrente sanguínea, não pensou em nada disso. Apenas sentiu um frio incomodo na barriga e assentiu. Encontrando na mulher, uma esperança.
- É algum tipo de macumba? – Perguntou, para ver a velhinha rir de uma maneira que a causou calafrios.
- Não chame assim, menina.
- Como devo chamar?
- Um destino forçado. Ou magia. Magia é uma boa definição. – Completou. – Preciso que me fale o seu nome e o dele.
Evelyn permaneceu atônita. Apenas tentando processar as informações. Foi no estalar de dedos da mulher que saiu de seu transe.
- Evelyn. Evelyn Costa e Ashton Irwin. – Sorriu por fim. 
Com o casaco já em mãos, a mulher desapareceu pelas sombras da cidade, deixando no ar uma única mensagem. Não era “Trarei o seu amado em 30 dias” ou algo do gênero, era apenas uma frase, tão vaga quanto a sanidade da menina: “Não se esqueça, que as consequências são reflexos de seus atos”, mas essas palavras, diferente da mulher – que simplesmente evaporou -, perduraram na mente de Evelyn. Inclusive em sua sanidade. 

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