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• A. L. •

WestFall, 16h

Saio do prédio principal do colégio e Cássio, meu choffer, está esperando por mim junto aos meus irmãos.
"Ouvi boatos que você estava andando com um desconhecido pelos corredores do colégio na hora do intervalo. Por acaso você não lembra o que a mamãe falava sobre essas coisas?" Samuel comenta quando entramos no carro, me fazendo revirar os olhos.
"Não porque nós não tivemos uma mamãe para nos ensinar esse tipo de coisa" deixo escapar e me arrependo na hora.
A morte da nossa mãe ainda paira sobre as nossas cabeças e o fato de não termos nenhum tipo de parente presente nas nossas vidas apenas piora. Não falei nenhuma mentira, minha mãe era uma idiota mesquinha, mas os gêmeos ainda sentem falta dela.
"Desculpa. Saiu sem querer. Eu tive um último período ruim e estou um pouco no 'friend mood'... desculpa"
Eles acenam com a cabeça, mas o caminho para casa é silencioso.
"Chegamos, Helena!" grito quando entro em casa e nossa governanta aparece sorridente.
"Ah, que bom! Vocês não vão acreditar quem está em casa!" ela fala com entusiasmo e os meninos bufam "Samuel e Matthew, se animem um pouco! Seu pai quase nunca vem para casa!"
"Exatamente. Esse lugar é bem melhor sem aquele escroto" Matt responde e Helena coloca a mão no peito.
"Deus, o que eu fiz para merecer esses meninos? Eu e Rosa educamos vocês para serem melhores que isso!"
"Desculpa, Helena. Não é nada com você" Matt abraça nossa mãe substituta e ela passa as mãos nas costas dele.
"Eu sei, Matt. Eu sei. Mas ele trouxe presentes caros, então pelo menos finjam entusiasmo, ok?"
"Ok, Helenita do meu coração. Espero que seja um baita presente" respondo deixando minha mochila, o blazer e a gravata em cima da mesa de entrada, indo em direção do escritório, onde meu pai sempre fica enfurnado quando vem pro Brasil. Ele estava na Indonésia na semana passada. Eu acho.
"Pai?" Bato na porta antes de entrar. Aprendi da pior maneira possível que nunca posso entrar em cômodo algum dessa casa antes de avisar. Espero ele responder e entro no santuário de William D'Luca com Samuel e Matthew ao meu lado.
"Alice, que bom que você está aqui. Queria mesmo conversar sobre algumas coisas da empresa" meu pai fala sem tirar os olhos do documento em suas mãos "Sam, Matt. Parabéns pelo campeonato de futebol e me desculpem por não ter ido assistir à final, mas trouxe alguns presentes de Barcelona para vocês" ele complementa e os meninos saem sem dizer uma palavra. O campeonato foi há quase 3 meses, mas essa é a primeira vez que eles se veem desde então. Sim, meus irmãos têm toda razão em odiá-lo.
"Você precisa de que?" pergunto me sentando na cadeira de frente para a mesa.
"Ano que vem você vai fazer 18 anos e irá para a MIT. Quero que você comece a treinar na WL daqui de Brasília para assumir a sede em Boston" ele fala finalmente olhando para mim, mas não sei como reagir.
"Você quer que eu estagie na WL?"
"Sim. Quero que você trabalhe no nosso departamento de engenharia mecatrônica para colocar no seu currículo"
"Ok" respondo porque isso é bem melhor que qualquer outro presente que ele tenha trazido para mim.
"Você vai receber seu próprio salário e será tratada como qualquer outro estagiário da sessão. Se você tiver qualquer problema em relação aos engenheiros ou estagiários do sexo masculino, no entanto, entre em contato com a minha assistente que iremos resolver. Você é minha filha e será respeitada" ele me entrega o contrato e sorri "Sei que esse é o seu sonho desde pequena e era a vontade do seu avô que você assuma a empresa daqui alguns anos. Tenho certeza que fará um trabalho incrível. Leia o contrato, se tiver alguma objeção, escreva que irei ler e ver o que posso fazer. Se não, só assina e coloca na minha mesa até amanhã de tarde. Todas as informações que você precisa estão aí"
"Obrigada, pai"
"Também trouxe presentes para você, estão no seu quarto"
Saio do escritório e subo correndo para o meu quarto. Começo a gritar e pular de felicidade e Samuel entra com uma cara assustada.
"Quem morreu?"
"Ninguém, idiota. Papai acabou de me dar um estágio na WL!" grito e Matt entra só de toalha no quarto.
"Sério?" eles perguntam ao mesmo tempo.
Nenhum dos dois quer entrar para o negócio da família. Sam quer ser treinador de futebol e Matt quer entrar para o ramo do cinema. Ele tem um canal no YouTube e papai sempre compra os melhores equipamentos de presente.
"Sim! Vou trabalhar no departamento de engenharia e tecnologia, auxiliando os engenheiros" me jogo na cama e abraço o contrato com cuidado.
"Pelo menos ele nos apoia nas coisas que nós queremos fazer ao invés de encher a porra do saco" Matt comenta antes de sair e Sam deita na cama comigo.
"Ele me deu camisetas dos times dos países que ele visitou dessa vez, inclusive uma autografada pelo Messi. Também conseguiu ingressos para todos os jogos de futebol das Olimpíadas e uma viagem para assistir à final da Champions League em maio"
"Como Matt disse, pelo menos nisso ele é bom" dou risada e ele sorri.
"Sim. Tem varias outras sacolas lá no quarto, mas só olhei as que estavam em cima da cama, provavelmente eram os que ele sabia que eu iria gostar mais"
"Eu nem olhei o que mais ele comprou" olho em direção ao closet e vejo várias sacolas de marca. Gucci, Versace, Balenciaga, Dior, Prada, Louis Vuitton e outras "Ainda bem que ele está seguindo a lista que eu mandei porque não aguentava mais ganhar presentes sem noção tipo aqueles ponchos peruanos que ele trouxe uma vez"
"Meu Deus. Nós ficamos iguaizinhos àquele meme do Ronaldinho Gaúcho! Que coisa feia! Sei que é cultura, mas nunca mais vou colocar aquela coisa horrorosa" Samuel gargalha e olha para mim.
"Fernanda está espalhando para a escola inteira que você ficou com o novato da Inglaterra"
"Fernanda é uma vadia escrota. Ela quem quis se assanhar oferencendo o famoso tour e eu me intrometi" reviro os olhos bufando.
"Ainda bem. Ela é bem esperta indo atrás dos novatos estrangeiros. Mas você ficou?" meu irmão pergunta me fazendo sentar na cama e bater na cabeça dele.
"Quê? É óbvio que não. Ele nem faz meu tipo!" reclamo e ele ri.
"Se você diz..." Sam levanta e sai do meu quarto.
Aproveito para ler o contrato antes de Rosa me chamar para o almoço. Irei começar depois do Carnaval, vou trabalhar só 3 vezes por semana por conta dos treinos do time de dança e das aulas de educação física do colégio. O salário é bom comparado às remunerações de estágio normais, mas meu pai me mandou uma mensagem dizendo que não vai cortar minha mesada quando perguntei, então não vai fazer muita diferença na minha vida. Talvez eu até doe esse dinheiro para a caridade ou algo assim. Já ajudo 5 ONGs para animais abandonados e faço doações anônimas para hospitais de câncer aqui em Brasília, acho que posso ajudar mais um pouco. Minha avó sempre me diz que ajudar nunca é demais, então não meço esforços. Gosto de usar meu dinheiro e influência para alguma coisa útil, já que é meu pai quem paga tudo o que eu preciso - roupas, calçados, colégio, comida, até mesmo as festas que eu vou. Ok, talvez eu seja um pouco mimada. Depois de ler e reler o contrato algumas vezes, assino e coloco em cima da minha escrivaninha com um post it pedindo que a secretária o coloque no escritório o mais rápido possível. Rosa passa no meu quarto 1 hora depois avisando que o almoço está pronto e eu desço para comer.

• A. P. •
Casa dos Parker, 16:30

Chego em casa exausto das aulas e subo para o quarto mal falando com mamãe. O fuso horário está acabando com toda a minha energia e sinto que estou forçando todos os meus neurônios ao máximo, o tempo inteiro, na escola nova. São uma da tarde e na Inglaterra já seriam cinco. Nós chegamos no Brasil no sábado, então não tivemos muito tempo para nos adaptar às 4 horas a menos. Tento não dormir para não acordar no meio da noite, então resolvo descer para ver se minha mãe precisa de ajuda com alguma coisa.
"Mãe? Precisa de ajuda?" pergunto e vejo que ela está cortando vários vegetais coloridos.
"Oi querido. Você pode me ajudar a cortar isso aqui. Pegue uma faca e uma tábua ali no armário" pego o que ela pediu e sento ao seu lado na mesa da cozinha. Sinto seu olhar em mim e me preparo para todas as perguntas que sei que ela quer fazer "Como foi na escola?"
"Tudo tranquilo, eu acho. As matérias sobre o Brasil são um pouco difíceis, já que nunca estudei sobre isso, mas o geral está tudo bem"
"Fez algum amigo?" ela pergunta com um sorrisinho. Começo a ficar nervoso, mas então lembro que os gêmeos não foram para o colégio hoje, eles e minha mãe tiveram que resolver alguma coisa na embaixada e acabaram perdendo a manhã inteira. Ela não sabe sobre nada que aconteceu hoje.
"Mais ou menos. As pessoas de lá são um pouco nariz em pé, mas uma menina me ajudou hoje" tento ser o mais breve possível para não dar abertura para a imaginação incrível que minha mãe tem. Sempre que digo que conheci uma menina nova, ela coloca na cabeça que estou namorando.
"Uma menina? Que bom. E ela é..."
"Mãe, não. Não vamos entrar em detalhes!" interrompo antes que ela possa terminar a frase, o que a faz rir.
"Eu ia só perguntar se ela é da sua turma! Deus, você está suando de nervoso!" ela gargalha e sinto meu rosto esquentar "Mas se você quiser me falar se ela é bonita, eu não me importo em ouvir!"
"Mãe! Pelo amor de Deus!" dou risada e ela balança os ombros "Sim ela é da minha turma"
E sim, ela é bem bonita, penso, mas não completo a frase. Continuamos conversando até os gêmeos entrarem na cozinha e começarem a contar sobre o tour que fizeram pela cidade depois de resolverem tudo o que precisavam.
"Ei, Tony. Como é o nosso colégio?" Tom pergunta com curiosidade bem evidente.
"É enorme. E tem um programa esportivo bem amplo para vocês dois. O time de futebol é um dos melhores do país e vão fazer a próxima seletiva daqui duas semanas" respondo lembrando das explicações de Alice.
"E eles têm algum time de dança?" mamãe pergunta do fogão "Quem sabe você não possa voltar a dançar? Lembro que amava"
"Não sei. Eles têm um time, mas não tenho certeza se quero assumir  esse compromisso"
"Bom, você quem sabe. Mas você é um ótimo dançarino, acho que deveria ao menos tentar" ela diz e bagunça meu cabelo.
Fiz aulas de dança dos meus 5 aos 13 anos, mas parei quando fui morar na China. Na maioria dos países eu pedia para os meus pais me matricularem, mas agora eu não sei. É uma coisa que realmente me faz feliz, mas pelo que Alice falou, já é um grupo antigo. Minha mãe coloca o almoço na mesa, mas estou tão perdido em meus pensamentos que mal presto atenção na comida. Não quis demonstrar na hora, mas fiquei aliviado quando Alice apareceu para me resgatar da Fernanda. Consegui perceber na hora que ela queria mais que me mostrar o colégio, mas não tenho um pingo de interesse em me envolver com alguém e decido que é por isso que não irei entrar para o time de dança. Sei que vou ter que fazer amigos para que o  meu tempo no Brasil suportável, mas me envolver romanticamente está fora de cogitação. Os meninos estão animados sobre a seletiva de futebol e me envolvi no assunto para parar de pensar na morena de sorriso incrível que acabou me mostrando a escola hoje.

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⏰ Última atualização: Apr 11, 2020 ⏰

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