Otávio Apaixonado, Luccino Indomável

I

Pois havia um bom e afortunado senhor de terras que estabeleceu para os próprios filhos um acordo incomum. É verdade universalmente conhecida que um pai em posse de algumas terras deve procurar bons casamentos para os herdeiros, a fim de garantir próspero futuro às propriedades.

Felisberto era este senhor. Sua maior riqueza, segundo o mesmo dizia, eram os filhos advindos de um casamento bem sucedido e feliz com a falecida esposa. Vivenciando tal felicidade por anos, acreditava ser possível aliar os negócios ao amor e, portanto, almejava a mesma boa sorte para as proles. Filhos felizes de um casamento feliz.

Mariana, a mais velha, era conhecida em toda região por sua firmeza de caráter e modos de menina travessa. Curiosa e aventureira, Mariana gostava da vida em seu ilimitado potencial de possibilidades. Apaixonar-se, um dos seus almejos, ainda não havia acariciado seu rosto como uma boa e velha brisa sentimental das terras do norte. Nenhum dos pretendentes ainda lhe despertara curiosidade, no mínimo algum frio na barriga, nenhum deles se provara tão intenso quanto ela para merecer-lhe.

Luccino, o mais novo, não tão querido quanto a irmã, mas mais comentado que ela. De igual atrevimento, seus modos resultavam em opiniões sólidas, que disfarçava com a teimosia, franqueza no falar, que disfarçava com alguma arrogância e um peculiar e ferino humor, que disfarçava com o sarcasmo. Este belo rapaz guardava para si, com certo orgulho, a boataria de ser prepotente, de gênio difícil, indomável.

Felisberto sabia que Mariana conseguiria um bom casamento. Mas, em relação a Luccino, a dúvida assombrava-lhe a fronte quase em febre. Quem em sã consciência casaria com a tempestade em pessoa? Tal suposição tirava seu sono, pois sabia, no íntimo, que não teria mais muito tempo para legar suas terras a um bom genro que soubesse administrá-las.

Apesar de tudo, no entanto, o carinho de seu filho e sua filha para consigo era indubitável. Nisso poderia dormir como numa cama macia, poderia contar todas as horas como num relógio que anda segundo a vontade humana.

Oh, ele teria de arrumar um jeito para assegurar o futuro da família. Prometera a Ofélia, a santa casamenteira sua esposa, que seus filhos conheceriam, ao mesmo tempo, o amor e a segurança da fortuna. E, pois bem, atrelou-se a isso o tal acordo incomum daquela família: para o bem de ambos, Mariana apenas se casaria se Luccino, o mais novo, consumasse casamento com algum pretendente. Pareceu-lhe uma combinação justa, a qual nenhum dos dois concordou.

Mariana, sob protesto, disse-lhe ser severa demais consigo mesma para submeter seu coração a uma regra. Não! Isto era o mesmo que trair-se. Luccino, dando de ombros, não se importava em morrer solteiro, visto que considerava impossível alguém naquela inóspita cidade agradar seus os olhos. Protestou ferinamente ao seu destino atrelado ao da irmã, entendendo que sequer tinham nascido juntos, que dirá casarem juntos.

O pai, muito sorrateiramente, fingiu desinteresse e deixou que a vida dos três seguisse. No entanto, por trás dos panos, planejava um baile de máscaras para aquela noite em que tudo aconteceu. Secretamente, era de sua intenção reunir o máximo de pessoas no salão de casa, para que pudesse limpar a imagem do filho mais novo perante a sociedade e, quem sabe, arranjar-lhe um bom pretendente. Felisberto fazia a tudo com as melhores intenções possíveis, tomando cuidado para que Mariana e Luccino não desconfiassem de nada.

Houve êxito: os dois animaram-se para a festa. Fizeram questão de confeccionarem a própria máscara - embora Luccino fosse péssimo em atividades artístico-manuais. Tudo pronto para a comemoração, os irmãos escutaram os sons da pequena banda local que animava a festa enquanto desciam as escadas.

Mariana, como de se esperar, foi a primeira a ficar à vontade no baile. Seu vestido laranja não passava despercebido. O irmão, ao contrário, escolheu um terno bege suave, um pouco do seu jeito discreto e arredio de ser. Ele preferia pegar a sua taça de vinho e ficar parado no mesmo canto da sala enquanto observava as pessoas.