IX

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Como o mais óbvio dos fatos, Mariana não se contentou com a recusa do pai em aceitar sua presença na corrida de cavalos. Luccino fora até seu quarto após o almoço depois de ouvir passos e mais passos. Sabia que a irmã estava inquieta, tramando uma daquelas suas aventuras que só se veem em livros. Dito e feito: Mariana roía as unhas, olhava para o alto em busca de alguma boa solução para o problema.

"Minha irmã, você vai causar um buraco no chão."

"Me deixe, Luccino, preciso pensar."

"Esta cabecinha... Diga-me e talvez possa ajudar."

Mariana parou de andar e o olhou, interessada.

"Sim, talvez possa... Talvez possa! Escute, eu quero ir à corrida. E, quem sabe, realmente disputar? Mas mulheres não podem entrar. Uma tolice desse mundo de homens, se quer saber."

"Concordo, mas como pretende burlar as regras?"

"Aquele duendezinho. Aquele baixinho. O nome dele é Mário, não é?"

"Sim. Prossiga, pois quero entender o plano."

"Aí está o meu trunfo, Luccino. Mário e eu trocaremos de lugar."

"Mas como isso é possível?"

"Deixe-me pensar... Bom, vocês mesmo disseram que somos parecidos. Eu posso... Usar roupas masculinas e... E um chapéu! Posso ser Mário. Enquanto isso, o duendezinho fica em meu lugar, como Mariana. Pode usar meus vestidos e eu tenho inúmeras perucas."

"Santo Deus, Mariana, que ideia maluca. Um homem vestido de mulher!"

"Ora, não é tão maluco assim. Quem sabe o que o futuro nos aguarda? Anda, anda!"

"O quê?"

"Vá pedir ao seu noivo que chame o tal Mário!"

"Bom, a esta hora, não dá mais... Está escuro e tarde. Além do mais, Otávio é que sabe onde ele mora. E estou dando um gelo naquele imprudente." Luccino cruzou os braços.

Mariana começou a rir.

"Está bem, meu irmão, amanhã bem cedo faça às pazes com noivo. Inclusive, pode começar as pazes hoje à noite, para amanhecerem de bem." Ela piscou na direção do irmão, vermelho de vergonha.

"Mariana! Onde é que aprende essas coisas?" Ele riu, incrédulo.

"Na vida e no amor se aprende. Vá, não quero te atrapalhar. Vai."

Luccino despediu-se e deu-lhe boa noite. Caminhou em direção ao seu quarto, tonto de sono, hipnotizado às palavras de Mariana. Aliado a isso, seus pensamentos faziam questão de relembrar o episódio do banho, no qual ele quase... Ora, mas o que era aquilo? Tinha de acabar com aqueles pensamentos. Otávio era um nada para ele. Um nada. Apertou a maçaneta com força, denunciando sua presença com barulho. Caso estivesse dormindo, seria uma honra atrapalhar. Mas Otávio estava sentado à cabeceira, lendo com suas roupas de dormir.

"Esta roupa é minha."

"Desculpe, somente amanhã vou pegar minhas coisas. Podemos dormir?"

"O que está lendo?"

"Ah, uma obra de ficção científica chamada Além do horizonte."

Luccino assentiu, dando-se conta de que teria de trocar-se na frente do noivo. Ele já havia baixado o livro e o observava com expectativa. O Capuleto ergueu as sobrancelhas.

"Será que pode, por favor, virar de costas?"

Otávio olhou para os lados.

"Eu?"

Otávio Apaixonado, Luccino IndomávelOnde histórias criam vida. Descubra agora