De frente ao armário aberto, tinha cada vez maior convicção de que retornar havia sido um erro. Apesar de não ter feito nenhuma amizade especial na Califórnia eu já sentia falta das pessoas de lá. Andar na rua sem me preocupar com olhares tortos, ninguém me zoando ou sequer se importando com minha presença. A melhor coisa foi ser invisível em Los Angeles, e agora, de volta a Giddings e seus cinco mil habitantes, me assustava a ideia de ser notado.
Escolhendo vestir a camiseta azul escura que encarava há vinte minutos, terminei de me arrumar e desci para tomar café. Podia sentir o cheiro de panquecas já na escada, e me assustei ao me deparar com a quantidade de comida. Minha mãe terminava de fazer torradas e levar à mesa onde já tinha ovos mexidos, bacon, varias panquecas e suco de laranja.
— Maxwell! — Ela sorriu, indo em minha direção e me dando um beijo na testa. — Sente-se, coma! Estou terminando de fazer café. Você quer cereal?
— Mãe... — Acabei rindo. — Eu não consigo comer metade do que você fez! — Admiti, sentando-me de frente ao prato de panquecas. Minha mãe sempre havia sido carinhosa e preocupada. Um pouco sufocante, até. Não que ela me prendesse, já que nunca me impediu de sair para algum lugar - até me encorajava, mas eu dispensava. Agora podia perceber que ela estava ainda mais...intensa. Claro, a perda do meu pai e os dois anos que passei longe com certeza eram o motivo da mais velha sentir como se precisasse compensar o tempo perdido.
Minha mãe era nova - tinha 36 anos, e sempre foi muito bonita. Agora, no entanto, tinha olheiras fundas e um sorriso fraco. Apesar de jurar até o fim que estava bem, seu corpo mostrava que não era exatamente verdade. Aqueles dois últimos anos pareciam ter sido 10 para ela, e isso me deixava culpado. Além do rosto, pude notar o quanto ela havia emagrecido. Com toda certeza não comia direito, nem dormia.
— Mas você precisa. — Ela insistiu, trazendo café preto em uma xícara para mim. Ah, que saudade que eu estava do seu café. — Está muito magro, vamos. Coma pelo menos uma parte.
— Eu estou magro? — Ironizei, mas sem peso na voz. Apesar de sim, ainda estar bastante magro, eu na verdade havia engordado no tempo que fiquei em L.A. graças aos inúmeros fast foods. — Pelo menos metade de você sumiu, e está dizendo que eu quem preciso comer? — Ela sorriu envergonhada. — Coma comigo, então.
— Eu já comi — Ela disse, dando de ombros. Felizmente, eu a conhecia o suficiente para saber que não falava a verdade. Cruzei os braços apenas aguardando a admissão, e ela então riu. — Tá bem, eu como um pouco.
Enquanto ela se servia de suco e panqueca, eu suspirei pensativo. Ela me olhou, sua expressão sendo o suficiente para eu entender que ela me perguntava o que houve com o olhar.
— Eu não devia ter ido. Foi egoísta.
— Max... — Ela pegou minha mão, acariciando a mesma com o polegar — Foi o melhor para nós dois. Depois que seu pai... — Ela parou, como se não conseguisse dizer as palavras. — Você precisava de novos ares, e eu precisava de um tempo sozinha para assimilar o que havia acontecido. Fui eu quem insisti, você não foi egoísta.
Apesar de não achar que de fato havia sido o melhor para ela, resolvi não discordar. Não faria bem a nenhum de nós entrar naquele assunto agora. Em busca de uma saída daquela conversa, eu olhei no relógio. Eu tinha apenas mais dez minutos antes de precisar sair.
Acompanhado de minha mãe, comi grande parte daquele banquete antes de sair dali e ir em direção à Giddings High School. Fui caminhando com calma, sem muita vontade de aparecer. Especialmente ao pensar em quem precisaria encarar ao fazê-lo. Não tinha a menor ideia de como o garoto iria reagir ao me ver de volta, mas uma parte de mim estava ansioso para o reencontrar.
Entrando no largo e gélido corredor da escola, senti uma sensação estranha e incômoda de nostalgia. O barulho de conversas e armários batendo era alto, e eu caminhei em busca do meu. Por anos tive o armário no mesmo lugar, porém com o tempo fora acabei "perdendo". Agora, com uma nova numeração em mãos, caminhei devagar em busca do local.
— Olha só quem está de volta! — Ouvi a voz que, de início, não reconheci. Quando levantei os olhos encontrei três garotos andando em minha direção: Aaron - o dono da voz. Um ruivo cheio de sardas, que pelo menos da última vez que estive ali era o capitão do time de futebol, e a julgar pela pose ainda era. A seu lado estava Joseph, que tinha pele e cabelos escuros, contrastando com seus olhos claros. E do outro lado, Kenny - um loiro que, sinceramente, devia ser a pessoa com o QI mais baixo que eu já havia conhecido. Todos eles eram os típicos valentões de uma escola americana - burros, violentos e praticamente assediados pelas garotas. Na verdade, com exceção de Kenny. Ele também não havia sido agraciado exatamente com muita beleza.
— Aí, Caleb! Sua namorada voltou! — Joseph falou, se aproximando mais e dando um tapa em meus livros de modo que caíssem no chão. Sua frase me deixou confuso e ansioso ao ouvir o nome do garoto. Olhei em volta procurando por ele, imaginando que talvez estivesse passando e também fossem zoá-lo. Minha surpresa foi vê-lo fechando o armário que estava ali do lado, e virando em nossa direção. A figura sequer parecia meu amigo. Caleb estava forte - realmente forte -, eu podia até notar seu abdômen por cima da camiseta branca justa que ele usava. Mas o que mais me surpreendeu foi o uniforme que usava - a jaqueta do time de futebol.
Da última vez que o vi, ele estava no mesmo lugar que eu. Estava mais baixo e gordinho, uma diferença gritante para a forma que ele aparentava agora. Não chegava a estar mais alto que eu - na verdade estávamos do mesmo tamanho - mas seu braço tinha a mesma grossura das minhas pernas. Eu só não sabia se ele estava muito forte, ou eu franzino demais.
— Galera, galera! — Ele falou, se aproximando com semblante sério. — Não tem graça. — Então, se agachou e pegou os livros que estavam no chão. Eu ainda estava sem palavras, apenas observando. — Aqui, toma — Entregou os livros para mim, e eu senti um alívio ao ver que ele ainda era o mesmo. Quando eu estiquei os braços, no entanto, notei estar errado enquanto Caleb propositalmente jogava os livros no chão novamente.
Seus amigos começaram a rir muito mais freneticamente do que o necessário. Eu me agachei para recolher meus materiais e, sem olhar novamente para o rosto de nenhum deles, continuei caminhando em busca do meu armário.
E aquilo me respondeu o que me perguntava há dois anos: sim, Caleb estava com raiva de mim.
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Cicatrizes
RomanceMaxwell retorna a sua cidade natal para finalizar o ensino médio após morar um tempo em Los Angeles com a tia. Caleb, antigo melhor amigo do garoto, agora mudou completamente e faz parte do grupo de idiotas do colégio. Ao serem forçados a passar t...