As últimas duas semanas haviam sido um inferno. Eu já era incomodado antes do tempo que passei fora, mas agora que tinha retornado me irritar parecia ser o objetivo de vida dos garotos do time de futebol. Eles não necessariamente me agrediam fisicamente, mas derrubavam meus livros, fingiam esbarrar em mim por acidente ou espirravam em minha comida. Eu poderia ignorar aquilo como tinha feito a vida toda, mas agora Caleb era um deles e fazia as mesmas coisas.
Enquanto eu tentava fazer a tarefa de química, meus pensamentos apenas iam a esses acontecimentos. Eu não sabia se estava com raiva, frustrado ou simplesmente triste. Talvez uma mistura dos três. O aspirador ligado também não permitia me concentrar muito. Desistindo de aprender sobre íons, eu larguei meu material ali e desci as escadas para encontrar minha mãe desligando o aparelho e agora virando sua atenção para a estante da TV, onde passava um pano branco.
— Quer ajuda? — Perguntei, apesar de ver que a casa já estava limpa. Quando ela se virou para mim - sem parar de limpar -, sorriu. Ainda não era o sorriso mais animado, mas já tinha mais vida e suas bochechas também tinham mais cor. Ela estava se alimentando bem, no entanto, ainda estava bastante magra. Provavelmente pela energia que gastava fazendo qualquer coisa para se distrair - como limpar a casa já limpa. Pelo menos ela tinha diminuído a quantidade de comida que fazia para mim.
— Não, querido! — Ela garantiu, limpando o mesmo espaço. Cruzei os braços a observando.
— Você não acha que já está limpo o suficiente? — Ela então parou como se finalmente enxergasse, e concordou deixando o pano de lado para me dar atenção. — O jardim ficou lindo.
O projeto de redecorar o jardim era antigo, porém minha mãe nunca teve muito tempo. Quando ficou desempregada - três semanas antes do ocorrido com meu pai -, tinha planejado se dedicar àquele trabalho. Com o empecilho, no entanto, eu não imaginei que ela fosse de fato conseguir. Não sabia quando tempo tinha investido naquilo, mas imaginava ser muito. A grama toda era "nova", havia um número impressionante de flores, uma pequena fonte e um balanço branco. Ela também colocou algumas luzes que, de noite, lembravam um pouco algumas estrelas.
— Ficou, não é mesmo!? — Ela disse, orgulhosa. — Demorou vários meses mas valeu a pena. E se Caleb não tivesse me ajudado demoraria ainda mais.
— Caleb te ajudou? — Perguntei, tentando esconder a surpresa e perplexidade. Aquele Caleb que estava derrubando suco na minha comida "sem querer"?
— Sim. Começamos em Janeiro do ano passado e só acabamos há três meses. Ele me ajudou principalmente com o trabalho braçal. Você viu como ele está forte?
— Vi. Quase não o reconheci.
— Pois é! Acho que foi pra fazer parte do time de futebol. Ele joga muito bem, já assisti alguns jogos.
— Parece que vocês manteram bastante contato durante esse tempo. — Falei, levemente incomodado. Não sabia de quem eu tinha ciúmes naquela situação.
— Ele vinha algumas vezes para saber de você, no começo. Então fez questão de vir algumas outras vezes para saber como eu estava. Quando ele me viu tentando descarregar meu carro com as coisas para o quintal, ofereceu ajuda e então vinha uma ou duas vezes por semana. Ele foi um...bom ombro para chorar às vezes.
— Fico feliz que teve ajuda. — Eu disse, agora mais incomodado ainda porém sem saber com quem estava mais bravo. Com minha mãe que fingiu estar bem e precisou de meu amigo como um ombro para chorar, ou com Caleb que até três meses atrás estava cuidando da minha mãe e agora estava derrubando minhas coisas no corredor da escola.
— Espero que vocês estejam bem um com o outro. Ele ficou bastante chateado...sabe, eu não sabia que você não tinha avisado que iria.
— Estamos. — Menti, sentindo uma ponta de culpa me atingir. Não queria me explicar ali, justamente por nem saber como fazê-lo. Eu estava mal, mas pensando agora não justificava ter ido embora daquela maneira. Minha mãe notou minha inquietude mas não prolongou a conversa, resolvendo guardar o aspirador e terminar a faxina por ali. — Tudo bem se eu der uma volta por aí?
— Claro! Só não volte muito tarde, irei preparar lasanha. — Ela falou, levemente animada.
Deixando a casa, comecei a caminhar pelas ruas conhecidas enquanto pensava sobre o que ela havia me contado. Era uma sensação estranha saber que Caleb, até meses atrás, estava checando minha mãe regularmente e a ajudando. Isso significava que ele não tinha exatamente mudado, que ainda era o Caleb que eu conhecia. Mas isso talvez fosse pior. Saber que aquele Caleb quem estava com tanta raiva de mim.
Enquanto meus pensamentos iam em direção ao garoto, dei-me conta de que meus pés também o faziam. Inconscientemente, eu tinha caminhado em direção à casa do garoto. Parando em frente à mesma, coloquei as mãos nos bolsos meio tenso por estar ali. Observei o imóvel por uns segundos. Ele era bem menor do que o meu, e com certeza menos bem cuidado. A pintura que um dia foi branca, agora era amarelada e com varias manchas escuras. A pequena escada para a porta da frente era de maneira e podia-se notar estar perigosamente perto de ceder se alguém mais pesado pisasse ali. Um balanço ficava ao lado da porta, porém notei que uma das correntes que o prendia no teto estava arrebentada e o balanço estava pendendo, totalmente inutilizável. Ouvi um grito - como o que discussão - mas não entendi o que era falado, apenas percebi que vinha de dentro da casa. Então Caleb saiu, batendo a porta com força e acendendo um cigarro, claramente irritado.
Demorou alguns segundos para me notar ali, e quando ele o fez caminhou até mim. Senti meu corpo ficar tenso e tentei convencer a mim mesmo que não havia motivos. Estava tudo bem. Não era como se ele fosse me bater. Eu esperava.
— O que faz aqui? — Perguntou, impaciente e com semblante irritado. O cheiro do cigarro atingiu minhas narinas - o que não me incomodou por ter me acostumado com minha tia fumando. Ele ainda estava com a jaqueta do time, que ficava bem nele.
— Estava caminhando. — Respondi, com uma hesitação na voz que me incomodou. Ele me encarou sem acreditar, mas então deu de ombros.
— Tudo bem então. — E virou-se para entrar de novo.
— Espera! — A palavra saiu sem que eu percebesse. Ele se voltou para minha direção. — Você ajudou minha mãe com o jardim.
— Veio aqui me falar o óbvio?
— Não. Só...achei legal da sua parte. Era importante para ela. — Constatei, formulando devagar minhas frases. Não sabia o que queria falar para ele, apenas que queria fazê-lo.
— Sim, eu sei. Ela disse que tinha planos de fazer com o seu pai nas férias de verão...Antes dele falecer.
— Ela disse que você cuidou dela nesse tempo que eu estive fora. Que ia toda semana ver se ela estava bem. Obrigada.
— Bem, alguém precisava fazer isso, já que você não estava aqui — Ele respondeu, com hostilidade na voz.
— Não é justo.
— Não venha falar comigo sobre justiça. — Ele riu desgostoso, então jogou o cigarro no chão e soltou a fumaça uma última vez. — Você queria agradecer? De nada. Agora já pode ir.E assim, com a garganta apertando, eu saí dali retornando para casa com as palavras de Caleb sobre minha mãe na cabeça.
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Cicatrizes
RomanceMaxwell retorna a sua cidade natal para finalizar o ensino médio após morar um tempo em Los Angeles com a tia. Caleb, antigo melhor amigo do garoto, agora mudou completamente e faz parte do grupo de idiotas do colégio. Ao serem forçados a passar t...