(Alfred)
- Terça-feira, 25 de abril de 2017 -
Alfred já havia terminado de comer quando o homem abriu a porta novamente. Ele recolheu a embalagem da marmita e a garrafa d'água que Alfred consumiu. Os tremores em seu corpo diminuíram um pouco. Ele juntou a coragem que tinha e perguntou:
― Por favor. ― A voz saiu como um sussurro. O homem olhou para ele. ― Por favor, por que estão fazendo isso? ― Alfred não conseguia imaginar o motivo. Seria dinheiro? Não haveriam outras formas menos cruéis de se conseguir isso?
― Silêncio. ― O homem cochichou. Ele pediu, não ordenou. ― Não deixe que os outros te escutem. Fique quieto e faça tudo o que mandarem, e dará tudo certo. ― Ele saiu rapidamente e fechou a porta atrás de si.
Dará tudo certo? Seria isso possível?
Alguns momentos se passaram quando Alfred ouviu sons diferentes. Pareciam muitos passos, como se uma agitação estivesse acontecendo do lado de fora. Ele tateou até chegar na parede mais próxima do som e tentou escutar. Sem muito sucesso, uma vez que sua audição não era mais a mesma de sua juventude. Escutou algumas vozes, mas não conseguiu entender o que era falado. Até que ouviu passos cada vez mais altos, e entendeu que alguém caminhava na direção do quarto em que estava. Tratou de voltar ao seu lugar de costume, o mais distante possível da porta, encostado na parede oposta. A porta se abriu novamente.
Não era o mesmo homem que havia lhe trazido comida. Esse era um pouco mais baixo e mais magro, com um bigode imenso no rosto envelhecido. Tampouco era educado como o outro.
― Levante. ― O tom de sua voz deixava claro que se não cumprisse a ordem, as consequências seriam gravíssimas. Mas Alfred também não pôde deixar de notar um tom de deboche.
Ele se levantou rapidamente. O homem fez um sinal com a cabeça que deu a entender que era para Alfred sair do quarto. Ele hesitou por um momento. Não sabia onde estava, nem o que o aguardava lá fora. Mas decidiu sair logo antes que o homem gritasse com ele.
Ao sair, Alfred teve que cobrir os olhos com as mãos. A claridade o cegou, por ter ficado muitas horas no escuro. Sentiu que o homem o empurrou para fazê-lo caminhar, e ele o fez, mesmo com a visão limitada. Seus ossos doíam, e a cabeça começou a latejar. Aos poucos seus olhos foram se acostumando com a luz. Alfred notou que estava em uma casa, mas esta parecia abandonada. A pintura das paredes estava desgastada, o piso rangia e quase não havia móveis na casa, apenas uma mesa de madeira velha com algumas cadeiras. O cheiro de madeira cortada ficou ainda mais forte.
O homem estranho passou por ele e abriu uma porta para que atravessasse. Do outro lado da porta havia uma varanda que dava para o exterior da casa. Alfred passou por ela e observou.
Ele estava no meio de uma floresta. Havia árvores por todos os lados, enormes eucaliptos e pinheiros, além de troncos cortados e empilhados. Uma grande área desmatada se estendia à frente da casa, por uns cinquenta metros aproximadamente. O calor estava insuportável, e percebeu, pela altura do Sol, que devia ser quase meio-dia. O homem o tirou de seus devaneios.
― Sente-se aí. ― Ele apontou para um banco que estava próximo à parede. Alfred se sentou sem demora.
Notou que só os dois estavam ali. Onde estaria aquele homem que o alimentou? E onde estariam os outros que fizeram tanto barulho há pouco tempo? Quantos seriam? E Isabelle? E Sarah?
Um som de um automóvel surgiu do meio da floresta. Só então Alfred percebeu a estreita estrada escondida no matagal. O veículo preto adentrou o local e o motorista estacionou perto da casa. Este saiu do carro, e Edward reconheceu o homem que antes o vigiava em seu quarto. Outro homem saiu, e depois o terceiro. Um deles apontava uma arma para o outro, e então notou quem era.
― Edward... ― Alfred cochichou.
Edward estava atônito, e demorou a notar a presença do pai. Quando o fez, ele congelou. O seu olhar era de desespero, confusão e alívio. Ele tentou correr em sua direção, mas o homem que lhe apontava a arma o advertiu.
― Devagar, seu idiota. Não vai querer os seus miolos estourados bem em frente ao papai, não é? ― Ele parecia ainda mais sombrio que o homem estranho ao seu lado. Um calafrio passou pelo corpo de Alfred, como se um fantasma o tivesse abraçado. Poderia até dizer quem era.
Edward caminhou lentamente em direção ao pai, sem tirar os olhos dos seus. Alfred se levantou, mas permaneceu no lugar. Tudo o que queria era correr em direção ao filho, mas não seria uma boa ideia.
Aquela caminhada pareceu durar a eternidade. Edward, seu único filho, estava ali, a metros de distância, a segundos de um abraço. Um abraço que mudaria as suas vidas, e que poderia ditar o destino dos dois naquele momento. Um abraço de perdão.
Enfim, Edward chegou perto o suficiente para abraçar o pai. Os dois se uniram como se fossem um só, como se jamais tivesse ocorrido algum problema, discussão, distanciamento entre eles.
― Pai... ― Edward soluçou em seu ouvido. ― Me desculpe... ― Seu corpo todo tremia.
― Meu filho. ― Alfred respondeu. ― Não fique assim.
― Ok, já chega. ― O homem com a arma falou. ― Se larguem. Edward, sente-se naquele banco ali. Agora!
Edward soltou seu pai do abraço, seu rosto estava vermelho e inchado do choro. Ele obedeceu e se sentou no outro banco. O homem gentil ficou ao lado dele.
― Está na hora de vocês conhecerem alguém. ― O homem armado deu um sorriso horripilante e entrou na casa.
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M.S.

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Uma Bela Mentira [COMPLETO]
Mystery / ThrillerAlfred Clarke é um senhor de idade já avançada e alguns problemas de saúde, que vive sozinho uma vida pacata e regular, e só se vê feliz com a presença de sua adorável neta Sarah, de apenas nove anos de idade. Recebe frequentes visitas de sua amiga...