O princípio do caos

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8 de Fevereiro de 1998

Era uma noite chuvosa em  Westerville, uma cidade pacata de Ohio. O céu ocasionalmente brilhava aos cortes de um raio avermelhado, uma cor tão vibrante e cheio de poder. Com as botas encharcadas de água, uma figura encapuzada corria desesperadamente, como se sua vida dependesse daquilo. Usando uma capa preta que beirava até o joelho e um capuz que cobria o rosto, aquele ser misterioso seguia o embalar frenético do vento floresta adentro. Corria e corria sem olhar para trás. Fugindo de algo. De alguém. O encapuzado acelerou ainda mais a corrida desenfreada, desviando com facilidade de raízes grossas do chão, e pulando obstáculos naturais. Nem o estrondo de uma árvore sendo derrubada por um raio a impediu de correr e atravessar deslizando pela lama, antes que o tronco se espatifar-se no chão.
O ser de sombras correu ainda mais, mesmo com o frio congelando seus ossos e o incômodo dos pés molhados. Uma fileira de árvore apontava a sua frente como um enorme paredão, e mesmo assim não foi o bastante para o parar. Corria em direção ao paredão de árvores, mirando no meio deles como se soubesse o que fazia. E num rápido e ocasional brilho, o encapuzado desapareceu entre a fileira de pinheiros.
        

–Até onde me lembro, você disse que nunca mais retornaria a essas terras.

A figura encapuzada estava em frente a um homem de aparentemente meia idade. A barba grisalha era nitidamente percebida mesmo com a pouca iluminação. Não chovia naquele local, não naquele momento.

E não pretendo demorar mais que o necessário. — A voz feminina era de uma firmeza intimidadora. –Estou aqui apenas para cobrar uma dívida antiga.

–Você poderia ficar, sabe disso... Estará segura conosco. A família deve permanecer junta... — Ele fez menção de pronunciar um nome, mas um clarão de dentes pontudos e brancos foi o suficiente para impedir.

–Não pertenço a nenhum lugar, e tudo que pensa conhecer sobre mim está morto. Me poupe de sua lábia e de seus afetos. — As palavras o atingiram como lâminas, e pesar brilhou em seus olhos castanhos claros. –Preciso que cuide disso...

A mulher que até então estava com os braços ocultos embaixo da capa, revelou um o que tão desesperadamente carregava. Um bebê. A criança recém nascida dormia profundamente como se o mundo não estivesse acabando em chuva antes de chegar ali.

–Serei breve, contarei tudo o que precisa saber, mas antes precisa jurar em nome da Mãe que não contará isso a ninguém. Nunca. E principalmente a essa criança, ela nunca deverá saber quem realmente é.

Havia um certo remorso no olhar daquela mulher, um desespero assustador. Por debaixo do capuz sua armadura brilhava salpicada de sangue vermelho e preto. O mais detalhadamente possível, ela contou toda a história para o homem. O que havia presenciado e feito. Quem era o bebê a quem estava lhe entregando e a importância de manter aquela criança segura e afastada do mundo. Mesmo com todo o desespero, havia no coração da jovem mulher um frágil sentimento pelo bebê. Está ali, se tratava de manter aquela criança segura. Era o mínimo que podia fazer.

Isso é uma insanidade... — O homem olhavam atentamente para o bebê que dormia. Ela era linda.  Insisto para que fique. Se veio até aqui, abandonou tudo para apenas trazer essa criança, ainda há esperança para você... Fique! — Em suas últimas súplicas ele tentou mantê-la ao seu lado.

–Não há mais esperança para mim. E você é um dos motivos principais pelo qual desejo está longe. Apenas pague sua dívida e faça o que sabe fazer de melhor. — Colocando novamente o capuz, a mulher abraçou as sobras e desapareceu em meio às árvores, em direção a tempestade que se aglomerava do outro lado.

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