Capítulo 3: Sr. Misterioso

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O Uber estaciona em frente ao MASP,  Jenny e eu descemos de maneira rápida. Olhando ao redor logo percebo que os críticos estão todos posicionados na entrada, provavelmente esperando a assistente que a Miranda havia escolhido para conduzi-los durante a exposição. E advinha só... eu sou essa pessoa!

—Te vejo mais — Jenny diz e se afasta já se encaminhando para realizar o seu trabalho também. Miranda havia designado para minha amiga a parte do levantamento estatístico sobre os lances que iriam ser realizados em algumas obras, já que haviam alguns museus internacionais interessados em adquirir algumas pinturas de artistas brasileiros que haviam firmado parceria com a galeria da minha diabólica chefe. Só a possibilidade de conseguir fazer com que uma das minhas próprias obras fossem expostas já me deixa em êxtase, infelizmente meu cérebro me alerta que devo prestar atenção no que os críticos estão comentando a respeito dos quadros e deixar o meu sonho por enquanto de lado.

—Estou encantada pelo acervo renascentistas— Uma mulher baixinha, com óculos escuros comenta.

—Carmen, ainda não vimos o principal. — Um dos homens que estavam no grupo dos críticos diz para a mulher, onde a mesma continua avaliando os quadros com um brilho nos olhos.

—Então senhorita... — O cara mais novo dos críticos, deve ter em torno de uns trinta e oito, já que o restante dos homens e mulheres que estão no grupo aparentam serem bem mais velhos. Ele olha para o meu crachá mas tenho a impressão que o descarado está encarando meus seios. Tento controlar a vontade de passar um sermão para ele na frente de todos. Calma Melinda, digo para mim mesma, você só precisa suportar eles até daqui a pouco.

—Melinda, um lindo nome. —  O idiota comenta logo depois de admirar por um longo tempo os meus seios. — Tenho que ressaltar que estamos curiosos para conhecer o acervo principal, afinal, estamos aqui somente por ele. Não que eu esteja reclamando em passar algum tempo na sua presença.  — Finaliza com uma rápida piscada, se os demais viram eu não sei, pois continuam como se nada tivesse ocorrido. Apenas bufo de irritação e mantenho a postura.

— Por aqui senhores — Instruo eles até o departamento de pinturas do séc.XIX. — A frente de vocês temos a pintura Rosa e Azul de Pierre-Auguste Renoir.—  Dou uma pausa para que eles possam analisar, e em seguida vou apresentando as demais da exposição, tiro algumas dúvidas no trajeto a respeito da história do museu e também das obras apresentadas.

— A exposição nos surpreendeu senhorita Melinda, mande nossos elogios a Miranda.  — Uma mulher alta, Vera é o seu nome, me diz com um sorriso sincero e um aperto de mão que eu retribuo. Miranda vai ficar contente por saber que a etapa com os críticos foi concluída com sucesso. Um ponto para a gatona aqui, rio comigo mesma.

— Ficaríamos contentes em nome do museu MASP em recebe-los em nossa confraternização, que será realizada na casa da Miranda. E é uma honra tê-los em nosso espaço de trabalho. —Fico surpreendida pela minha fala ter saído da mesma forma que a da diabólica chefe. E no final eu tinha mesmo gostado de ser a guia deles, apesar de que, o idiota do cara continuava a me paquerar na maior cara de pau, enquanto devia estar centrado mais na função dele do que em olhar para minha bunda ou peitos.

—Estaremos lá com toda certeza — Um dos homens diz e não gosto nem um pouco do tom que ele usa, parece que está sendo sarcástico. Logo percebo que já o vi em algum lugar, em uma revista! Ele é um dos ex colegas de trabalho da Miranda, mas pelo visto não teve tanto sucesso quanto ela e guarda isso com rancor e inveja. Mas isso é problema dela, ela que aguente ele, a minha parte eu já fiz.

Após eu me despedir e aguardar que todos já estivessem encaminhados para a festa que iria começar na casa da Miranda, descido dar uma última conferida na área, vai saber se alguém fez bagunça onde não devia.

Ando verificando cada parte do lugar, e quando estou prestes a sair a procura de Jenny, me pego diante de uma obra, eu não a tinha visto aqui antes...estranho. Era um retrato de um homem, ele era alto e seus músculos eram bem torneados apesar de usar trajes em tons escuros. Bem atrás dele havia um portão de grades pretas e o céu se mostrava tempestuoso, mas, o que mais me atraia nessa obra era o olhar dele. 

Tia Ana sempre me dizia que eu era muito boa em decifrar os sentimentos das pessoas somente prestando atenção em seus olhares. Tento inutilmente fazer isso com ele, ou melhor com a pintura. Porém a algo muito profundo atrás daqueles olhos de um incrível azul-turquesa, e de repente me pego sentindo coisas que ainda não sei definir. Ele é mistério e eu adoro desvendar um.

 Meus olhos analisam cada traço de seu rosto, sua expressão é séria e fria, seus lábios são finos na parte superior e carnudos na inferior, confesso que ele devia ser daqueles caras que derretem o coração das mocinhas só com um sorriso. Não sei porque olhar assim para essa obra traz a sensação de que talvez já estivesse naquele lugar.

Olho para baixo, estou à procura do nome do pintor da obra..., entretanto apenas encontro duas siglas L.C, confesso que estou desapontada, eu no meu ápice de curiosidade para descobrir o cara que pintou esse quadro e o nome está abreviado... que falta de sorte. Retiro meu celular da bolsa e ligo meus dados moveis, digito as siglas e descrevo as principais caraterísticas da pintura, mas algo bastante confuso acontece. Não há registros da pintura e muito menos da pessoa por de trás dela, olho em todos os sites de resultados que o google me oferece, mas não tem nada a respeito. É como se ela não existisse, eu só posso estar escrevendo alguma coisa errada, como pode ela não existir? Se estar sendo exposta é um dos museus mais famosos do Brasil e bem aqui na minha frente?!

—Peguei! — Jenny grita atrás de mim, perto do meu ouvido, ela me dar umas leves cutucadas na cintura com o objetivo de me fazer sorrir.

—Que susto Jenny, quer me matar de um ataque cardíaco mesmo? — Digo ainda me recuperando do susto com as mãos sobre o peito e o coração pulsando rápido, a encaro com uma cara séria.

—Qual é Melinda? Relaxa, foi um leve susto. — Acreditam que ela fala isso e em seguida rir da minha cara de indignação?

—Leve susto? Ata, Jeniffer Ribeiro não sei se fico chateada por você ter me levado até um quase enfarte ou por ter conseguido me deixar surda. — Ela apenas me olha e dá de ombros, em seguida se aproxima mesmo que receosa, afinal, havia grandes chances de eu esganá-la pelo susto.

— Você estava muito concentrada nessa pintura, por acaso se apaixonou pelo cara? — Ela diz em tom de divertimento, e eu apenas fecho a cara e suspiro controlando a ânsia de não revidar o joguinho dela.

—Ha-Ha Jenny! Que engraçada é você, cadê o Thiago? Ele ainda não te encheu o saco suficiente para você gastar seu tempo com ele? — Digo sarcástica e logo ela para de rir, acho que acertei o alvo! Guardo a minha conquista para mim mesma.

— Não cita o nome desse elemento, o clima estava divertido até você falar dele. Eu já disse que ele é babaca demais e eu o odeio! — Ela comenta irritada e com a testa franzida.

—Parece que o jogo virou não é mesmo? — Rio e ela me encara com seu olhar cortante. —Está bem, parei. A respeito da obra eu estava apenas curiosa, você me conhece a tempo suficiente para saber que sou uma apaixonada por p-i-n-t-u-r-a-s.—  Dou ênfase na última palavra, ela concorda com a cabeça e logo abre a boca, não sei porque mas tenho certeza que vem algum comentário desnecessário.

—  Não é estranho você preferir ficar olhando para um cara que é uma pintura e nem sabemos se existiu de verdade ao invés de jogar uma conversa fora com um que é verdadeiramente real?  —Por mais que eu saiba que a intenção da minha amiga foi tentar me descontrair com as suas brincadeiras, acabo percebendo o quanto estou inclusa dentro da minha própria bolha. A vida de solteira tem suas vantagens mas confesso que a momentos ao qual eu preferia ter alguém. Melhor afastar esses pensamentos e focar como sempre na carreira.

—Melhor a gente ir, não trabalhei para perder a melhor parte do evento! — Falo com um sorrisinho no canto da boca e tentando mudar de assunto da melhor forma possível.

—É isso ai garota! Vamos nessa! — Jenny pisca e dar um leve tapinha em meus ombros e vai em direção a saída, eu a sigo, mas antes dou uma última olhada para obra e comento: —Eu ainda não desistir de você Sr. Misterioso. — Seria muito louco se eu dissesse que senti como se alguém sussurrasse que em breve eu o veria? Loucura né... 

A PassageiraWhere stories live. Discover now