Um sino dos ventos balançava, a gosto de uma brisa leve da manhã, pendurado à varanda da pequena casa. Seus cristais translúcidos chocavam-se com seus semelhantes para emitir uma melodia tranquila aos ouvidos de Tina. Sentada à mesa redonda e estreita, disposta a um dos cantos da sala de estar, a mulher agitava inconscientemente o café em sua caneca enquanto mantinha os olhos concentrados sobre uma das manchetes do jornal local.
Era a edição de alguns dias anteriores àquele, encontrada sobre um dos armários do distrito policial de Castle Combe. Estampava linhas de informações jornalísticas já decoradas por Tina, juntamente a uma imagem da referida locomotiva, para anunciar sua recente violação. Para a mulher, o pequeno quadriculado ao final da página fazia referência injusta e insultuosa à estrutura imponente pertencente a Sete Vagões.
Com um suspiro cansado, Tina baixou as folhas do jornal para descansá-las ao lado de seu pequeno bloco de anotações. Bebericou o líquido quente em mãos, aproveitando a sensação do amargor prazeroso ao seu paladar. Frustrava-se com os rabiscos desconexos ao papel amarelado e as lacunas a serem preenchidas com nomes de possíveis suspeitos que ela esperava identificar, através das filmagens de trinta e um de dezembro, no sistema de câmeras do posto ferroviário.
Ao verso daquela mesma página do diário local encontrava-se uma homenagem referente à morte de Percival Graves. Ocupava a lauda por completo, descrevendo seus feitos políticos, culturais e filantrópicos à cidade de Castle Combe e era decorada por algumas fotografias espalhadas entre suas colunas. Nelas, um homem de meia idade, parcialmente grisalho e dono de um rosto quadrado e consideravelmente bonito posava junto a outras respeitadas personalidades em eventos luxuosos e leilões beneficentes na capital. Tina surpreendeu-se ao descobrir Percival Graves um homem mais jovem e elegante do que sua mente imaginara.
Um dos cristais do sino dos ventos refletiu aos olhos castanhos da mulher, por um rápido momento, os raios solares daquela manhã parcialmente ensolarada. Tina preencheu-se de tranquilidade ao observar, aos fundos do quintal de sua propriedade, o banco de madeira solitário a descansar sob um baixo poste de luz, através da cortina da grande porta de vidro daquele mesmo cômodo. Flores amarelas e vermelhas emaranhavam-se entre os fios de linho transparentes e tão dourados daquele tecido em uma beleza simples e singular. Em certos momentos de distração, exatamente como aquele, traziam aos lábios da moça um sorriso despretensioso.
Tina sentia-se desconfortável em assumir ao seu próprio inconsciente o distanciamento inevitável e recorrente de tudo aquilo que um dia fora a ela familiar. Em meio à sensação cada vez mais constante de deslocamento, Tina poderia dizer que começava a ganhar certa estranha simpatia por toda aquela inusitada decoração.
O pêndulo do relógio antigo trabalhava para alcançar as primeiras horas da tarde daquele dia. Em meio à quietude da sala de jantar, entre móveis e objetos passados de geração em geração aos integrantes daquela bem respeitada família, movimentos discretos e silenciosos eram desenhados por seus dois únicos ocupantes.
O homem trouxe à boca a taça contendo uma quantidade já bastante consumida de vinho tinto, deixando com que o líquido doce descesse suavemente por sua garganta mais uma vez. Encarou os resquícios de sua refeição sobre o prato de louça disposto à sua frente antes que o tilitar quase inaudível de um segundo par de talheres clamasse por sua atenção. O garfo brilhante deslizava entre os alimentos intocados, sem interesse aparente, em padrões aleatórios enquanto os olhos escuros da mulher fixavam-se, imóveis e desfocados, à madeira escurecida da mesa de carvalho. Lá estava ela, outra vez, calada e fechada em seus próprios pensamentos. Entre as cascatas de cabelos morenos, longos e brilhantes encontrava-se a face exausta e abatida com a qual Theseus Scamander achava impossível aprender a conviver.