- Essa é sua última chance de me dar uma resposta sincera - disse ela encostando cada vez mais a ponta de sua adorada espada no pescoço do miserável homem que se tentava, em vão, se afastar dela.
- Olha, eu realmente não sei do que está falando.- Ele exibia um sorriso debochado.
Ela riu e afastou um pouco a espada o fazendo suspirar de alívio.
-Tenho que admitir que eu te admiro. É sério. Você está disposto a morrer por algo tão banal. Sua lealdade é algo impressionante.
-Isso quer dizer que você vai desistir de me matar? - Ele sorriu. Os dentes amarelados, separados, mas havia dois pré molares de outro brilhando .Ela retribuiu o sorriso.
-Não! Só vou ser rápida - E assim como disse cortou a garganta do homem.
Não era a primeira vez e não seria a última. Naquela espada havia mais sangue do que em um necrotério. Aquele era seu trabalho, o motivo de sua fama e o porquê dela poder pagar um apartamento como aquele. Não era um hotel cinco estrelas, mas era dela, os vizinhos não a incomodavam e era fácil correr dali caso algo desse errado.
-Bom dia, Marcelle - Disse a senhorinha do apartamento ao lado enquanto passava com uma sacola cheia de compras. Talvez quisesse ajuda, mas ajuda leva a bate papo, e bate papo leva a intimidade.
-Bom dia, senhora! - Ela sabia o nome dela. Na verdade, sabia tudo sobre Dona Francisca, aposentada trabalhou por anos no mesmo local, tinha três filhos meninos, mas apenas um a visitava.
Assim que entrou no seu apartamento, colocou a espada em cima do móvel de madeira que ficava perto da porta.O sangue da espada havia sujado sua calça, por isso preto era sempre uma boa opção. Cuidaria do sangue no móvel depois. Agora precisava se livrar da sujeira, do cheiro de morte.
Girou a maçaneta e observou as engrenagens se movimentarem para que um segundo depois água gelada caísse em seu cabelo crespo e lhe desse uma sensação de paz. Mas aquilo não durou muito, como sempre. O estridente som do tal chamado telefone a lembrou do mundo real
-Fala! - O cabelo pingava nas costas. Um rastro de água no chão da casa
-Me encontre no bar do GAR em uma hora. Boa grana - Disse a voz no outro lado da linha e desligou.
Ela queria mesmo era deitar no sofá da sala e assistir a TV. Qualquer coisa boba que a fizesse relaxar um pouco antes de apagar na cama. Mas não resistia a uma chamada, e Paulo, o servo, sempre tinha trabalhos bons, trabalhos que pagavam aquela cama alta e confortável em que ela tanto queria deitar. E se recusasse? Ela poderia. Não, não mais. Já estava na porta do bar sentindo o cheiro de cerveja e ouvindo homens estranhos gritando, e mulheres conversando animadamente após um dia de trabalho cansativo nas lojas do centro. Uma ruiva com expressão séria passou por ela assim que abriu a porta. A olhou como se a conhecesse, mas não abriu a boca para falar com ela. Usava um pingente dourado no pescoço. Entraram as duas. A ruiva rica para uma mesa no canto perto da janela, parecia nervosa. Marcelle se sentou no bar, já sorrindo para o velho homem que pegava sua cerveja favorita.
Gar era um homem de meia-idade que repudiava evolução. "Os velhos tempos eram melhores" ele dizia. Marcelle duvidava muito disso, mas simpatizava com o homem de barba negra que servia-lhe uma cerveja.
-Olha só para eles - ele apontou para um grupo de jovens ricos que brincavam com uma máquina da mais nova geração. A ruiva estava sentada em uma mesa ao lado deles - Tudo com que eles se importam é aquilo.
-Com que mais eles iriam se preocupar?- Ela tentou adivinhar que tipo invenção era aquela. Parecia ser feito para colocar no ouvido, era dourado mas não era ouro - É tudo que os pais ricos deles os ensinaram.
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Contos de Nivhoock - A devoradora
FantasíaAssombrada pelas memorias de um passado não muito distante, Marcelle, uma jovem bonita e perigosa, tenta viver sua vida o mais normal possível na cidade conhecida como Nivhoock. Entre amores e amizades, ela começa a perceber que algo estranho está...