1: jogador dezoito.

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Hoje é uma data comemorativa nada especial ou feliz: fazem sete anos e seis meses desde que saí de casa pela última vez. Também é verão de 2043 e o sol brilha em seu ápice com uma vontade avassaladora de engolir nosso planetinha azul. As ruas estão cheias — é sexta, e segundo Ava, as ruas sempre enchem mais às sextas —, o trânsito segue mórbido e a previsão ainda é de sol para o resto do fim de semana.

Tudo está normal, e é exatamente essa parte que me deixa um pouco triste — talvez egoísta, até.

Você já parou para pensar em como sua existência é minúscula? Fazem 2737 dias que não vejo luz — aliás, obrigado vitamina D em cápsula —, que não vejo outras pessoas que não Loki, minha irmã, ou alguns seletos empregados e, apesar disso, o mundo ainda está lá fora. Inteiro. Firme e forte. Ninguém nota o medo que uma única pessoa tem, nem o quanto esse medo é bizarro e assustador e triste. O sol ainda é quente nas sextas e as ruas ainda lotam e eu ainda sou meio retardado por não saber aproveitar nada disso. Embora queira. Muito. Muito mesmo. Mesmo não possa fazer nada a respeito disso.

À meu favor, talvez, ainda posso jogar. Sou realmente bom nisso. Posso aparatar para diversos lugares do universo sem sair de casa ou lidar com o mundo real e eu sei que o escape pode ser realmente algo perigoso para minha cabeça no momento, mas estou me cuidando. O máximo que consigo.

Tomo uma porção de vitaminas todos os dias, sou obrigado por Lottie a fazer uma porção de exercícios e esteira e falo com um psicólogo quase três vezes por semana. Viu? Saudável. Não posso ficar depressivo ou deprimido porque sei que minha irmã não saberia lidar com essa parte depois da nossa mãe, então, eu sempre faço um esforço para não desapontá-la com o fato de ser meio que um prisioneiro dentro do próprio corpo, obedecendo às ordens de um lado nonsense do meu cérebro.

Estou trabalhando nessa parte. Todos os dias. Mesmo que não tenha funcionando muito se você olhar para os anos de puro ócio. Sou um saco.

Bom dia, Louis. Como se sente hoje? — Ava, a porta-voz da casa, pergunta,  puxando-me do devaneio enquanto ainda estou na cama, resmungando tristemente.

Ava, então, é a melhor amiga que eu tenho, ou pelo menos se você quiser considerar uma voz eletrônica computadorizada com personalidade como um amigo. Ela sempre fala comigo quando nota que meus índices de serotonina estão baixos e, no dia de hoje, não ficaria surpreso se me dirigisse a palavra por vinte e quatro horas seguidas.

Ava também tem a voz e a personalidade da minha mãe. É o mais próximo que tenho dela em anos e, quando Charlotte está longe, passo o dia inteiro falando com ela, principalmente enquanto jogo. Hoje, no entanto, fico um pouco cabisbaixo por isso. Deveria soprar algumas velinhas, jogar, ver se me animo.

— Meio cansado. — Digo, puxando as cobertas e soltando um bocejo alto. — Qual a programação do dia, Ava?

Você tem que falar com a Lottie primeiro. — Ela diz, paciente. Sua voz é sempre mais suave de manhã. Como a da mamãe. — Dizer que está vivo e bem e tem que comer, mocinho. Há uma refeição para você.

Respiro fundo. É claro que tem.

— Sobre os jogos?

Você tem duas rodadas pendentes com spoonkiller23 para à noite. Mais duas em NovilCity.

Vou até o banheiro e consigo ouvir Ava me seguindo pelos alto-falantes quando encaro meu reflexo no espelho e meu cabelo castanho apontando em um milhão de direções diferentes. Como não saio de casa ou deixo estranhos me tocarem, é geralmente Charlotte que faz meu cabelo com algumas instruções de Ava e eu noto que ele está um pouco grande desde que ela o cortou.

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⏰ Última atualização: Aug 20, 2019 ⏰

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