Huck sussurrou:
– Tom, se a gente achar uma corda, acho que dá pra saltar pela janela. Num é muito alto até o chão.
– Besteira, Huck. Fugir por quê?
– Ah, sei não. Essa gente toda aí embaixo. Isso num vai dar certo! O que eles estão querendo? Vou escapar, Tom.
– Bobo! Não parece ser nada contra a gente, tá entendendo? Vamos, eu protejo você.
Foi quando Sid apareceu.
– Tom! – disse. – Tia Polly esteve esperando por você a tarde inteira. Mary vestiu sua roupa de domingo e todo mundo aqui esteve muito preocupado. Mas... que barro todo é esse na sua roupa? E isso aí não é cera de vela?
– Escuta aqui, Sid! Não se mete, viu? Pra que essa confusão toda, lá embaixo?
– Ah, a viúva está dando uma festa. É em homenagem ao senhor Jones e seus filhos, por causa da ajuda que lhe deram naquela outra noite. Mas tem uma outra coisa, que posso até contar a você... Se você pedir!
– E o que é que é?
– Bom, o senhor Jones anunciou que tem uma coisa que quer dizer pra todo mundo aqui, esta noite. Mas escutei ele falando a respeito com a Tia Polly, agorinha mesmo. É um segredo! Mas garanto que muita gente já está sabendo. Todo mundo, na verdade... e a viúva também, apesar de fingir que não sabe. Ah, e o senhor Jones queria que o Huck estivesse aqui, senão, segundo ele, não valeria a pena contar nada.
– Mas sobre o que é o segredo, Sid?
– Bem, todo mundo está falando que foi o Huck quem seguiu os bandidos até a casa da viúva. Se o senhor Jones queria fazer uma surpresa, vai ficar chateado – comemorou Sid, estalando a língua de satisfação.
– Sid... aposto que foi você que espalhou a notícia, não foi?
– Ah, e daí? Não interessa quem contou.
– Bem, Sid, neste povoado inteirinho só tem uma pessoa cretina o bastante para fazer uma coisa dessas... Você! Se estivesse no lugar do Huck, naquela noite, ia escapulir correndo e não contaria a ninguém sobre os bandidos. Você não é capaz de fazer nada, a não ser sujeira! E, pra falar a verdade, não aguenta ver ninguém ser elogiado por fazer coisas boas. Toma! E não precisa agradecer! – Tom deu um tapa no pé do ouvido de Sid e chutou-o para fora do quarto. – E olha aqui... Se me denunciar pra titia, amanhã pego você outra vez!
Alguns minutos depois, os convidados da viúva sentavam-se à mesa de jantar – os garotos e garotas foram acomodados em pequenas mesas laterais, no mesmo ambiente, como era costume do lugar, naquela época. Quando julgou apropriado, o senhor Jones fez seu discurso, agradecendo à viúva pela homenagem a ele e a seus filhos, já mencionando que havia outra pessoa, cuja modéstia...
E assim prosseguiu, revelando a participação de Huck no episódio, narrando os detalhes de forma aventuresca – o que era uma de suas especialidades. Entretanto, não conseguiu compensar o fingimento com que os presentes se demonstraram surpreendidos pelo impacto da notícia nem tornar convenientemente efusivas suas reações.
A viúva superou-se, com uma belíssima encenação de agradecimentos, enchendo Huck de tantos cumprimentos e atenções que quase o fez esquecer o desconforto – à beira do insuportável – que lhe provocavam as roupas novas e o constrangimento de tornar-se o alvo da admiração de todos os presentes.
A viúva declarou que pretendia acolhê-lo em sua casa e providenciar para que recebesse instrução. Mais tarde, quando pudesse dispor de algum dinheiro, iria iniciá-lo num pequeno negócio. E foi exatamente isso que deu a Tom a deixa que ele estava ansiosamente aguardando:
– Huck não precisa disso! Ele é rico!
Somente o respeito às boas maneiras impediu os convidados de caírem na gargalhada. Seguiu-se um embaraçoso silêncio, que Tom fez questão de romper:
– Huck tem um bocado de dinheiro. Vocês podem não acreditar, mas é verdade. Ah, tão rindo de mim, é? E que tal se eu mostrasse a vocês que estou dizendo a verdade? Peraí, que eu já volto!
Tom correu até a porta. Os convidados se entreolharam, perplexos mas bastante intrigados. Alguns lançavam seus olhares indagadores sobre Huck, que acabara de sofrer uma total paralisia de sua língua.
– Sid! O que é que deu no Tom? – perguntou Tia Polly. – Ele... bem, a gente nunca sabe o que esperar desse menino. Eu...
Tom retornou à sala arrastando com dificuldade as duas pesadas sacolas. Tia Polly nem sequer pôde terminar sua frase, e o garoto já havia despejado uma montanha de moedas de ouro sobre a mesa.
– Olha aí. Eu não disse? Metade disso é do Huck, metade é minha.
Não houve ninguém na sala que deixasse de perder a respiração. Imediatamente após, estavam todos falando ao mesmo tempo, pedindo uma explicação para o que estavam vendo. Tom prontificou-se a dá-la, e foi o que fez, pomposamente, sem que ninguém se atrevesse a interrompê-lo. Quando terminou, o senhor Jones comentou:
– É... Pensei que tinha trazido uma surpresa para vocês, esta noite, mas agora vejo que não foi nada, comparado a isso. Minha nossa!
O ouro foi contado – somava perto de doze mil dólares. Mais do que qualquer um dos presentes já havia visto na vida, embora muitos ali possuíssem mais do que aquele valor, em propriedades.