O retorno

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No vôo de volta eu dormi, não quis pensar mais nas coisas que havia dito. Mamãe estava preocupada com minha decisão repentina e para falar a verdade, eu também estava.

- Algo para comer, senhorita?

Era a aeromoça. Eu havia escutado, porém quis fingir que continuava dormindo. Estava emocionalmente cansada.
O avião pousou sem complicações e fiquei momentaneamente feliz. Lar! Logo eu estava cara a cara com minha mãe, e combinemos, sua feição não era a mais agradável. Não esperava que ela fosse me buscar, imaginei que seria o motorista, eu não queria conversar, peguei a mala e fui na direção do New Beetle preto dela. Eram cinco da manhã e o céu ainda estava escuro.
Sentei no banco de couro e minha cabeça girou. Maldito fuso-horário. Fechei os olhos e aguardei as palavras da minha mãe que não vieram.
Não prestei atenção no caminho, decidi fingir estar dormindo até chegarmos ao prédio. O elevador estava no térreo e tivemos que esperar, mas não demorou muito e logo estávamos as duas se trancando nos quartos de um apartamento definitivamente silencioso. Ao fechar a porta, encostei-me na parede e olhei para o meu quarto tentando matar a saudade.

                               *

Abri a cortina e percebi que o sol estava nascendo, olhei o relógio e ainda era cedo. O último sábado das minhas superestimadas férias. Sai do quarto pé ante pé rezando mentalmente para não esbarrar em nada ou ninguém e percebi que a porta do quarto da minha mãe estava aberta e sua cama já feita. Já havia saído.
Resolvi que não adiantava adiar conversas, então me guiei ao apartamento de frente ao meu e girei a maçaneta, como sempre fazia.
Me deparei com os sofás pretos usuais sobre o piso branco extremamente limpo. Olhei ao redor e não havia nada nas estantes de novo além de livros de medicina e poucos de entretenimento. Respirei aquele ar. O corredor estava escuro e me atrevi a ascender as luzes, o que reduziu meu terrorismo, caminhei lentamente evitando qualquer barulho. Percorri o corredor longo até chegar ao último quarto, empurrei a porta com calma e essa não fez se quer um som.
Analisei um borrão até que meus olhos se adaptaram ao ambiente. Lá estava meu melhor amigo, debaixo de todas aquelas cobertas, jogado em sua cama de casal enorme e deliciosamente confortável. Fiquei ali parada até que ele se mexeu e me olhou com uma cara amassada e cabelo desgrenhado. Eu conhecia Isacc desde a infância e já havíamos passado por diversas coisas juntos, eu sabia o que tinha que fazer.
Entrei. Sentei na sua poltrona. Ele deitou a cabeça no travesseiro dobrado e ficou com os olhos abertos me olhando.

- Deportada ou falta de afeto paterno? - disse com aquela voz rouca matinal e uma arrogância usual.

Não exatamente o que eu gostaria de escutar, mas vindo dele, relevei. Respirei fundo para não correr o risco de titubear mas era como se minha cordas vocais estivessem coladas.

Ele levantou lentamente, ajeitando a camiseta branca e empurrando a coberta, sentou-se na beira da cama e suportou os cotovelos com os joelhos.

- Me desculpa. - eu disse em alto e bom som. - Eu não sei. Eu imaginei um futuro e decidi que ele seria meu. Não pensei em ninguém e peço desculpas por ter sido egoísta.

- O costume social é dizer adeus antes de viajar. - disse, ríspido.

- Geralmente quando a outra pessoa faz questão.

- Seu drama me comove.

No final do ano letivo eu havia decidido que não mais viveria com minha mãe, que não realizaria os sonhos dela e sim os meus, então resolvi viajar para o outro lado do Pacífico e morar com meu pai, em Sidney, Austrália.
Meus pais se separaram quando eu tinha seis anos e não houve briga pela minha custódia. Papai voltou para Sidney, sua cidade natal, e eu fiquei com a minha mãe aqui.
A pouca convivência com meu pai me iludiu, e comecei a achar que minha vida seria melhor morando com ele, mas eu não tinha a menor idéia de como é a vida do meu pai.

Era vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora