Eis um fato sobre mim: não sou um grande apreciador de festas. Me sinto um boneco de Olinda no meio de uma apresentação de balé profissional. D-e-s-l-o-c-a-d-o. Ainda assim estava no meio de uma, no apê de um amigo, em plena sexta-feira, com um copo vazio na mão e a cabeça implorando um travesseiro macio pra se encostar. Apesar de preferir estar em casa, no meu sofá, com a minha tv, a minha pizza e a minha camiseta encardida do homem de ferro, tentei ser o mais sociável possível e não deixar que transparecesse, na minha cara, o desejo que se passava em meu coração: quero ir embora. Comecei a pensar em uma desculpa que fosse boa e que ainda não tinha usado pra poder jogar em cima do Ian - meu amigo e anfitrião da tal festa - e sair correndo dali rumo ao conforto do meu sofá duro e cheio de pelo de labrador. Dor de cabeça era amadora demais e já tinha usado milhões de vezes, mas o "senta senta senta senta" que ecoava da caixa de som não me deixou pensar em nada melhor. Culpe a música, não meu cérebro lento.Avistei o Ian perto do corredor com uma garota loira e baixinha, e considerando que ele a estava pressionando contra a parede de um jeito que ela parecia gostar - gostar muito, aliás -, imaginei que não seria do interesse de nenhum dos dois que eu os interrompesse. Me livrei do copo vazio e já ia sair para interrompê-los, quando de repente...
Sabe quando você olha para uma pessoa e na hora pensa que ela deve ser muito gente boa e agradável? Você nem a conhece mas algo te faz pensar que conversar com aquele ser humano específico deve ser uma das tarefas mais prazerosas que existe e você, sentindo que seu coração quer te levar para aquela criatura, vai lá e tenta puxar um papo. O problema de ouvir o coração é que ele não fala então a menos que tenha um histórico frequente de alucinações, você não tá ouvindo o coração porra nenhuma. Veja só, em casos assim, de paixão instantânea, a "voz do coração" falha em 98% das vezes e as exceções são referentes às histórias de livros e filmes então nem se anime! Logo, é bem mais provável estar ouvindo a voz do primo de 3° grau do grilo falante que aparece em Pinóquio que o seu órgão muscular responsável pelo bombeamento do sangue. Isso é uma lógica simples! Mas quem liga para lógicas simples quando a garota mais linda que já vira está a um metro de distância? Eu não ligo.
Ela tinha acabado de sair da cozinha com sete latinhas de cerveja nas mãos quando parou para colocá-las na mesa onde eu estava encostado. Tentava equilibrá-las bufando de frustração cada vez que não conseguia. Era matemática básica: não tinha como levar as sete de uma vez só. Francamente, já estava com medo que ela jogasse tudo no chão e fosse chutando até seu destino então resolvi ajudar. Ou tentar.
- Deixa comigo. - Estava pegando a segunda quando ela tomou da minha mão.
- Não precisa.
- Não tem como você levar as sete usando duas mãos.
- Oh não, que falha a minha, devia ter nascido com mais mãos então. - O sarcasmo escorria pelo canto da boca.
- Eu tenho duas, posso ajudar. - A teimosia encarnada à minha frente nem se dignou a olhar pra mim.
- RODRIGO! VEM CÁ, PORRA! - Gritou - ou seria se esguelou? - para um cara com uma camisa de Game of Thrones que não demorou mais que dois segundos pra chegar até a gente. Até ela.
O tal Rodrigo entregou uma latinha à garota e colocou as outras na camisa, fazendo uma trouxinha. Assim que ele saiu a garota se preparou para fazer o mesmo e rapidamente fiz o que fazem nos filmes:
- Ei, sou Lucas. - Estendi a mão e esperei que fizesse o mesmo.
- Legal. - Esboçou a expressão mais entediada que imaginei ser possível, se virou e saiu.
Ainda estava com a mão estendida quando me dei conta de que ela já tinha sumido, provavelmente ido até o tal do Rodrigo. Tudo bem que a vida não é um roteiro de filme, mas é de consenso geral que quando alguém se apresenta, a outra pessoa se apresenta de volta, certo? Isso ainda é considerado educação ao menos?! O que eu havia feito de errado, afinal? Ah, que se dane isso, melhor falar logo com Ian e avisar que já vou, com sorte ele vai estar tão ocupado que eu nem vou precisar dar muitas explicações. Meu amigo, no entanto, não estava mais onde eu o tinha visto pela última vez e imaginei que ele e a loirinha estivessem mesmo ocupados. Sem poder sair tão rapidamente quanto gostaria, avaliei minhas opções, não que tivesse muitas. De todas, escolhi a que tinha mais chances de dar errado: ouvir meu coração mais uma vez.
Se você leu até aqui e gostou, adiciona o Lucas e a garota-sarcástica-teimosa-que-deveria-ter-nascido-com-mais-mãos na tua biblioteca pra acompanhar os próximos contos, tá?
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Todas as estrelas do céu
Teen FictionUma série de contos curtinhos - e longos, confesso que me empolguei em alguns - que se conectam para te apresentar a história da Malu e do Lucas. "Sabe quando você olha para uma pessoa e na hora pensa que ela deve ser muito gente boa e agradável? Vo...