VI - O inferno Existe?

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© padrepauloricardo.org

O inferno realmente existe?

O inferno existe? Esta pergunta, aparentemente trivial para um católico praticante, tornou-se discurso comum na boca de muitos teólogos e pregadores que, ora tratam o tema com desdém, ora o consideram inoportuno para o homem moderno.

Antes de qualquer consideração, porém, é preciso que fiquem claras duas coisas:

(I) A partir das Sagradas Escrituras e da Tradição, bem como de inúmeras declarações do Magistério da Igreja, não resta dúvida de que o inferno existe [1] – e não acreditar neste dado revelado é afastar-se da fé católica;

(II) Embora exista, o inferno não é criação de Deus, mas uma invenção diabólica, realidade na qual podem adentrar também os seres humanos, com a sua liberdade.

Na encíclica Spe Salvi, o Papa Bento XVI faz alusão a recentes episódios da história do mundo em que ficou evidente como o uso abusivo da liberdade pode levar, já neste mundo, a uma opção irremediável pelo mal:

"Pode haver pessoas que destruíram totalmente em si próprias o desejo da verdade e a disponibilidade para o amor; pessoas nas quais tudo se tornou mentira; pessoas que viveram para o ódio e espezinharam o amor em si mesmas. Trata-se de uma perspectiva terrível, mas algumas figuras da nossa mesma história deixam entrever, de forma assustadora, perfis deste gênero. Em tais indivíduos, não haveria nada de remediável e a destruição do bem seria irrevogável: é já isto que se indica com a palavra inferno." [2]

O inferno não se trata, pois, de uma hipótese teológica, mas de uma constatação histórica, cuja possibilidade se torna bem concreta, se o ser humano olhar com sinceridade para o próprio coração. Fatalmente, a criatura pode sim afastar-se de seu Criador.

Na verdade, são justamente as pessoas que deixam de crer no inferno as que terminam cometendo, por causa disso, as maiores atrocidades. Como não há castigo para si, como estão elas "para além do bem e do mal", tudo parece ser-lhes permitido.

Mas, na expressão de São Bernardo de Claraval, "impassibilis est Deus, sed non incompassibilis – Deus é impassível, mas não incompassível" [3]: embora não possa padecer, Deus Se compadece dos fracos e oprimidos neste mundo. A Sua graça, adverte o Papa Bento XVI, "não exclui a justiça", nem "muda a injustiça em direito":

"Não é uma esponja que apaga tudo, de modo que tudo quanto se fez na terra termine por ter o mesmo valor. Contra um céu e uma graça deste tipo protestou com razão, por exemplo, Dostoiévski no seu romance 'Os irmãos Karamázov'. No fim, no banquete eterno, não se sentarão à mesa indistintamente os malvados junto com as vítimas, como se nada tivesse acontecido." [4]

Mesmo diante de tudo isso – pergunta-se –, será ainda conveniente falar sobre o inferno ao homem de hoje? Não seria melhor deixar de lado essa doutrina?

A pedagogia divina, expressa na vida dos santos e místicos da Igreja, deixa entrever que não. Santa Teresa de Ávila relata, em sua autobiografia, como a visão que teve do inferno foi "uma das maiores graças" que o Senhor lhe concedeu [5]. Tal fato fê-la inflamar-se de tal amor por Nosso Senhor que – diz ela em seu Caminho de Perfeição [6] – estaria disposta a dar mil vidas pela salvação de uma só das almas que se precipitavam no abismo eterno.

Em 1917, em Portugal, Nossa Senhora também não hesitou em mostrar o inferno aos pastorinhos de Fátima. "Algumas pessoas, mesmo piedosas – diz a Irmã Lúcia em suas memórias [7] –, não querem falar às crianças do inferno, para não as assustar; mas Deus não hesitou em mostrá-lo a três crianças, e uma de 6 anos apenas, a qual Ele sabia que se havia de horrorizar a ponto de, quase me atrevia a dizer, definhar-se de susto". Mas, por que permitiu Deus que aquelas crianças tivessem diante de si uma realidade tão aterradora? A resposta está em que Ele queria excitar-lhes o temor: não o temor servil, de um escravo, mas o temor filial, de filhos. De fato, depois de contemplarem o inferno, Francisco, Jacinta e Lúcia foram incendiados por um grande amor a Deus e começaram a fazer inúmeras penitências e orações para salvar as almas da condenação eterna.

Mais recentemente, o teólogo Hans Urs von Balthasar aventou a possibilidade de que, embora existisse, o inferno talvez estivesse vazio (l'inferno vuoto). A Tradição da Igreja, no entanto, não pode corroborar esse pensamento: (I) porque Satanás e os anjos rebeldes já estão no inferno [8]; (II) porque Cristo, ao encerrar o seu "sermão escatológico", não deixa dúvidas quando diz que os maus "irão para o castigo eterno" (Mt 25, 46).

Permanecer na fé da Igreja, portanto, é o caminho seguro. Que os pregadores da Palavra voltem a falar do inferno, não para aterrorizar as pessoas, mas para fazê-las crescer no amor. A caridade não pode ser levada a sério se não se tem uma verdadeira repulsa pelo mal e pelo eterno afastamento do Sumo Bem, que é Deus.



• Referências

1.Cf. Catecismo da Igreja Católica, 1033.

2.Papa Bento XVI, Carta Encíclica Spe Salvi (30 de novembro de 2007), III, 45.

3.Sermones in Cantica Canticorum, 26, 5 (PL 183, 906).

4.Papa Bento XVI, Carta Encíclica Spe Salvi (30 de novembro de 2007), III, 44.

5.Livro da Vida, 32, 4.

6.Cf. Caminho de Perfeição, 1, 2; Livro da Vida, 32, 6.

7.ALONSO, Joaquín María; KONDOR, Luigi; CRISTINO, Luciano Coelho. Memórias da Irmã Lúcia. 13. ed. Fátima, 2007, p. 123.

8.Cf. Papa João Paulo II, Audiência Geral (28 de julho de 1999), n. 4.

texto replicado de: www.padrepauloricardo.org

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