Eram 206, pelo menos até a última vez em que contei um a um, higienizei e os ordenei por cores.
Semelhante a um arco íris, o meu arco íris.
Caro leitor, não vou (ainda que eu queira muito) te fazer ler toda a minha trajetória desde o primeiro olhar, sentimento e êxtase que me fez amá-los.
Vou mesmo ao que aconteceu essa semana.
Como de costume estou sempre pelos becos e ecos de todo sebo, livreiro, biblioteca e companhia, com o sem grana. É um rito, hábito ou transtorno emocional, que seja. Enfim.
Ao correr os dedos pelas prateleiras empoeiradas que atacavam minha renite, me deparei com livros com títulos que eu já tive um dia, livros que deixei numa vida passada, livros que abri mão, livros que perdi pra sempre.
Claro que já tentei refazer minha biblioteca, já tentei voltar a ler três livros por semana, mas acho que perdi juntamente com eles minha vontade de ler.
Às vezes me pergunto, será que perder meus livros me traumatizaram? Ou será que hoje prestes a ser promovida no trabalho, ser o homem da casa mesmo sendo uma mulher, com duas filhas prá cuidar e educar, com dois cachorros que parecem ter problema intestinal de tanto que fazem necessidades no meu corredor e fumar um maço de Malboro Gold por dia tem ocupado demais minha mente de forma que eu tenha perdido a alma culta que eu achava que tinha?
Doía lembrar que perdi o que eu considerava meu maior tesouro emocional. Porque meus livros eram meus únicos amigos. Os escritores me entendiam, escreviam o que eu sentia sem saber que eu existia. Eram meus. Meus personagens, meus amigos, meus livros.
Passei quarenta minutos só olhando e separando livros que minhas moedas não conseguiriam comprar mas que eu prometi um dia voltar para buscá-los.
Foi aí que bati o olho no título Mrs. Dolloway da Feminista Virgínia Woolf.
Eu também havia tido aquele livro. Eu o cheirei, olhei os detalhes, e lembrei do dia que você comprei o meu.
Mas quando prestei atenção pensei estar envolvida demais nas minhas lembranças e começava a ver coisas a que não existiam.
Peguei o livro novamente na prateleira, olhei as vinte primeiras páginas nas laterais, havia as marcas dos meus dedos onde o tempo sujou devido as sete tentativas frustradas de conseguir concluir a leitura. Eu nunca consegui acabar de ler aquele livro porque me parecia confuso mesmo sendo um clássico, por sete vezes deixei ele pra depois. O livro Mrs. Dolloway daquele sebo era meu.
Me emocionei tanto que comecei a procurar outros títulos que poderiam ser meus.
Se fosse coincidência não haveria mais nenhum.
Foi quando encontrei o livro Capitães da Areia de Jorge Amado. Havia manchas de caneta azul, que eu manchei sem querer, a capa estava amassada pois uma vez eu o guardei na bolsa com pressa e ficou para sempre marcado, e para acabar com toda dúvida ele tinha o carimbo da biblioteca onde eu o adquiri.
Mais um livro daquele sebo era meu.
Achei um terceiro e um quarto. Emocionada entendi que ainda que eu os tenha deixado em uma casinha no meio de uma ilha, eles voltaram para mim, estão espalhados pela minha cidade, foram vendidos para o sebo que eu frequento a mais de quinze anos. Quem os vendeu sabia por onde eu provavelmente passaria, sabia que eu iria sorrir ao me deparar com os meus diamantes.
Nessa sexta feira fria meus livros me ensinaram mais uma lição de vida:
- Tudo que é seu encontrará um jeito de chegar até você.Gostaria que você soubesse. Isso aconteceu na sexta feira. Foi real.