Eu ainda me lembrava de cada sensação daquela tarde.
Todos os meus sentidos haviam se aguçado na tentativa de guardar aquela memória. Eu ainda sentia o cheiro de café impregnando cada parte da casa, o toque dos lençóis sob meus joelhos, a voz divertida da minha mãe no andar de baixo, o castanho brilhante que me encarava com expectativa.
Mas nada se comparava ao sabor.
Ele tinha o gosto das balas de laranja que havíamos dividido mais cedo. A boca cheia e rosada deslizava desajeitadamente sobre a minha. Era um beijo imaturo, inexperiente, mas nunca houve nenhum outro como aquele.
Quando nos separamos e o mundo aos poucos voltou a fazer sentido em minha mente, podia ouvir sua risada baixinha, como quem acaba de fazer algo muito divertido. A mão gordinha cobriu a boca risonha, mas os olhos ainda brilhavam, intensos, do jeito que eu amava. As bochechas coradas evidenciavam as maçãs salientes. O cabelo caía sobre a testa e eu sabia que ainda devia estar fazendo a mesma expressão.
Perdido em suas linhas, em seus traços, em tudo que lhe pertencia, porque assim também era eu. Ele me tinha. Ainda que eu não o tivesse.
***
Eu acreditava que todos tinham seu inferno pessoal.
Meu azar – ou sorte, dependendo do ponto de vista – é que o meu inferno também era meu paraíso. Havia passado toda a noite encarando o crachá que recebi durante a aula de história, sem saber como reagir aos nomes impressos ali. Agora, parado ao lado do ônibus escolar, ainda não sabia o que fazer.
O passeio pelos pontos históricos da cidade me parecia uma forma vergonhosa de distrair um bando de adolescentes desinteressados. Daria mais dor de cabeça do que bons frutos, levando em consideração que estaríamos em duplas, sem uma monitoria decente, soltos por Mulbang-ul para depredar artefatos.
Não sei porque estou me incluindo nesse meio. Eu não falo com ninguém da minha turma. Não é como se eu desse muita atenção a esse tour, pelo menos não até o dia anterior. Não até eu ver quem seria minha dupla.
Devia ser um castigo divino. Ajeitando o cordão do crachá no pescoço, eu cutucava o plástico, relendo os nossos nomes repetida e inconscientemente. De todas as pessoas conhecidas, desconhecidas, perdidas na minha memória, porque tinha que ser ele?
Justamente aquele que não consigo esquecer?
Via, de longe, ele sorrir em meio a uma roda de amigos. Uma garota apertou sua bochecha e ele coçou os cabelos da nuca. O movimento fez as mangas do uniforme subirem.
Maldito.
Eu sei que seu sorriso é falso. Eu conheço cada um deles, sem exceção.
Esperei que ele se aproximasse, inquieto, até que ouvi sua voz soar perto de mim.
— Tudo pronto? - perguntou, com aquele mesmo sorriso aberto, que não alcançou os olhos.
— Hum – respondi, dando as costas e começando a caminhar. Percebi que não estava sendo seguido – Você não vem, Jooheon?
Parei, olhando para trás, notando sua expressão vacilar. Havia certa insegurança ali. No entanto, ele logo se recompôs, sorrindo e me acompanhando pelo museu, que era nossa primeira parada. Andávamos um pouco afastados dos outros, tanto porque estavam todos com suas duplas, como pelo fato de eu diminuir o ritmo para evitar a bagunça.
Percebia os olhares de esguelha de Jooheon na minha direção, como se quisesse saber porque eu caminhava tão devagar, mas ignorei isso também. Virei o rosto para as pinturas e esculturas que haviam pelos corredores.
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Pertencer | HyungHeon
FanfictionMesmo depois de alguns anos separados, Hyungwon ainda se sentia da mesma maneira ao encarar Jooheon. Sabia que não havia escapatória, porque tudo em si pertencia a ele. Cada pequena parte, desde seu primeiro beijo.