Um clichê é a melhor maneira de se contar um ponto de vista

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A tua morte, que me importa,

se o meu desejo não morreu?

Sonho contigo, virgem morta,

e assim consigo (mas que importa?)

possuir em sonho quem morreu.

David Mourão

ἐλεγεία

É um jeito sofisticado de escrever elegia, o que apenas torna tudo um pouco interessante. Não que eu não goste da escola, ou prestar atenção no que ela diz, longe disso. Mas, é complicado entender alguns fatores, como por exemplo: o motivo da minha professora de literatura moderna puxar tanto o saco do Kim da maneira errada. É o Taehyung, nosso representante, a força máster que a gestão pedagógica entende como um aluno exemplar. O tratamento deveria ser outro, algo mais sofisticado, mais requintado… mais Kim Taehyung.

— Alguém pode me dizer a diferença entre a Ode e a Elegia? — O silêncio que se instala é em prol de um único objetivo: todos sabem que o Kim sabe a resposta, então vamos apenas deixar que o Kim, o portador da resposta, diga ela para a classe. — Alguém? — Nossa querida professora faz sua última súplica.

Eis que surge a voz que neste mundo todo, provavelmente mais me excita e me causa delírios. Kim tem uma mania; antes de responder qualquer tipo de coisa, ele arruma de leve a armadura amendoada de seus óculos redondos, mordi o lábio inferior — coisa que parece mais um vício, e apenas agradeço por isso — e, por fim, torce de leve o pescoço, como se fosse desconfortável.

— Uma Ode tem extensões variadas, mas a Elegia vem para retratar a infelicidade, muitas vezes uma reflexão poética sobre a morte. — Mórbido. Acabo sorrindo ao ouvi-lo, não que eu tenha entendido alguma caralhada de coisa, mas só por sentir esse som tocando minha mente e borbulhando minha pele, um atrito tão delicioso que Kim Taehyung não tem a mínimo ideia de como é, me deixa simplesmente petrificado. Como um vampirinho que trocou seu vício por sangue por algo ainda mais precioso, vulgo o tal do Kim.

Respiro profundamente e balanço meus pés apoiados no descanso da cadeira vizinha. Kim Namjoon, uma das pessoas realmente interessantes dessa sala, me encara sobre o ombro com um risinho sugestivo. Reviro meus olhos, aposto que ele pensa que estamos na aula de Filosofia ainda, e isso foi na quarta-feira.

Não é segredo para absolutamente ninguém que eu sou maluco por esse garoto, até ele mesmo sabe, e apenas o encostar dele na cadeira já me faz crer que ele pelo menos entende a atrocidade que faz. É o andar; é o balançar dos cabelos castanhos, em fios escuros que combinam perfeitamente com seus cílios longos e negros como a noite; são as vestes largas, combinando-se de uma maneira que combina apenas com ele nesse mundo. É o todo.

— Bom, irei terminar a aula por hora… — meus ouvidos são agraciados com as aprovações de todos, em um fechar brutal de seus materiais e início de um burburinho irritante. — Taehyung, você recolhe as autorizações para mim, fazendo um grande favor?

Ele nem ao menos responde, apenas levanta-se e sorri, quase minimamente. Suas mãos ágeis tiram a armadura de grau que colabora em sua visão, depositando em um lugar qualquer de sua mesa abarrotada de post-its, e com o simples movimento seus cabelos cacheados pelo cansaço combinam perfeitamente com a bagunça que é a sua própria existência, sei muito bem que aquele balançar suave foi apenas para mim, mesmo que Taehyung não tenha perspectiva alguma sobre isso. Por graças, sou o último da sala. A última carteira, a desculpa dos professores para se livrarem de mais um fardo incompreensível, o Jeon Jeongguk.

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