Capítulo 1 - Um Pouco de Liberdade

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Rio de Janeiro, Brasil. 2017.

Verônica atravessou as portas de vidro da Interpol com muito entusiasmo. O dia tinha sido cheio de papeladas, relatórios e muitas reuniões. Mas finalmente ela teria seu merecido descanso, um mês inteiro de férias para relaxar e aproveitar o que o Brasil tem de melhor. Natural de São Paulo, Verônica saiu da cidade natal aos dezenove anos, estudou em Yale, nos Estados Unidos. Formou-se com glória em relações exteriores e após embarcar em um Mestrado e posteriormente um Doutorado, conseguiu a grande oportunidade de trabalhar na Interpol e o melhor, na central do Rio de Janeiro.

Enquanto procurava pelo seu carro no estacionamento, Verônica sentiu uma súbita animação por ter alguns dias de folga. Era bem verdade que ela amava o trabalho, mas também sentia que com sua dedicação exclusiva aos casos que lhe eram passados, ela tinha pouco tempo para si mesma. Entretanto, esse não era o seu maior problema. Havia Marcus, seu noivo, que insistia que eles marcassem uma data para o casamento, o noivado vinha seguindo por três anos e Marcus, filho de portugueses tinha uma família bem tradicional, que queria ver logo o filho casado e ter netos correndo pela casa.

Mas Verônica não se sentia assim. Anos de uma relação tranquila com Marcus, que também era seu colega de trabalho, tinham mudado seus sentimentos por ele. Sua mãe dizia, que ela deveria se casar logo e evitar ficar solteira, com trinta anos não se pode escolher muito, a mãe a orientava. No entanto, não era assim que ela se sentia. Queria um pouco mais de liberdade e essas férias pareciam perfeitas. Marcus continuaria trabalhando e os dois se veriam menos, já que conviver com ele no ambiente de trabalho era inevitável.

Entrando em seu carro, Verônica sorriu consigo mesma pela sensação de tranquilidade que lhe abateu. Seguiu para o Recreio, onde sua casa pequena, mas com uma vista linda para a praia lhe aguardava. Nem mesmo o trânsito caótico do fim de tarde, lhe tirou o bom humor.

Ao chegar em casa, não perdeu muito tempo. Fez um lanche rápido com as sobras da geladeira, ela era uma mulher funcional, tinha pouco tempo para cozinha e por isso pensava se seria uma boa mãe, com tanto pouco talento para as tarefas domésticas, ela não se imaginava ficando em casa, atrás de um fogão. Caminhou até seu guarda roupa, que era cheio de roupas neutras, não gostava e não queria chamar a atenção. Vestiu uma calça legging preta, com top preto e t-shirt branca por cima. Prendeu os cabelos cacheados no topo da cabeça e verificou seu reflexo no espelho, os olhos castanhos tinha olheiras embaixo, mas em breve isso mudaria.

A pele morena e corada pelo sol, estava radiante e disso Verônica não abria mão, sempre atravessava a rua e ia até a praia tomar sol, gostava de tirar esse tempo para si, só ouvindo o oceano. E o corpo se mantinha em um peso ideal, Verônica corria todos os dias, sem exceção. Em parte porque para ser uma agente, precisava sempre estar em forma e também porque a corrida lhe fazia bem, tirava sua cabeça do trabalho, lhe fazia esquecer tudo que a perturbava e ela se sentia renascida após correr dez quilômetros por dia.

Antes de sair de casa, colocou comida para Boris, seu cachorro e único amigo. Verônica não tinha feito uma amizade sequer desde que se mudou para o Rio de Janeiro. Na verdade, mesmo em sua época de faculdade, foram poucas as vezes em que conseguiu manter algum contato constante com as pessoas. Enquanto corria pela vizinhança, examinou as casas grandes e pomposas da sua rua, todas muito bem cuidadas e seus moradores para ela, eram desconhecidos.

Sem passar muito tempo em casa, ela não conseguia conviver com quase ninguém e em parte gostava de ser sozinha. Marcus por si só, já tentava ocupar um espaço maior em sua vida e embora aquilo fosse bom em certo ponto, Verônica sentia uma necessidade imensa de sair viajando pelo mundo e conhecer outros destinos. Fazer um mochilão sozinha sem data de volta e sem precisar entrar em contato com ninguém. Mas aquele era um sonho distante, sua vida era mais complicada do que ela gostaria.

As pernas dela começaram a ganhar velocidade enquanto corria pelo asfalto quente, já eram sete da noite, mas o calor do dia, ainda se fazia presente pelo mormaço. Em contrapartida, o vento frio batia em seu rosto e era por isso que ela gostava de correr a noite, quando o clima ficava mais agradável. Quando morava em São Paulo, ela corria em um dos parques próximo ao apartamento de seus pais. Estes por sua vez eram boas pessoas, seu pai um engenheiro e sua mãe uma dona de casa muito carinhosa. Mas o problema maior era seu irmão, Pedro Almeida se envolveu muito cedo com as drogas e causava uma série de problemas para a família. Vivia pedindo dinheiro e ameaçando a todos. Sempre que ele ligava, Verônica tentava ignorar, mas acabava atendendo. O medo de saber que o irmão foi encontrado morto em um terreno baldio, era maior do que sua raiva pelo vício dele.

E ela e os pais tinham tentado de tudo, tratamentos e terapias, mas Pedro na abstinência, sempre acabava ficando agressivo, recusando os tratamentos e se embrenhando novamente no mundo da cracolândia. O caçula da família era um viciado, que só trazia problemas. Mas Verônica sabia que os pais não iriam suportar a perda de um filho e por isso ela cedia, ajudava Pedro que dizia sempre estar sendo ameaçado ou precisando de dinheiro para alguma coisa, que na verdade eram sempre drogas.

Ela sacudiu a cabeça e tentou dissipar esses pensamentos, sua corrida era para resplandecer, ter um momento consigo mesma e não ficar pensando nos seus problemas. Correu por duas horas, até ficar exausta e voltar em um ritmo mais lento para a casa. A vizinhança ali era tranquila, havia uma favela chamada Terreirão se formando nos emaranhados do bairro, mas por enquanto nenhum deles tinham se mostrado hostis e por isso o perímetro não era perigoso. Ela até tinha porte de arma e sabia usá-la muito bem quando necessário, mas não via necessidade de leva-la para correr.

Chegou em casa exausta e correu para o banheiro, precisava de um banho e depois dormir por algumas horas, ver filmes e relaxar. Começou a retirar a roupa suada e jogar pelo chão do quarto, quando seu telefone vibrou e tocou em cima da cama. Ela ficou tentada a não olhar quem ligava, mas desistiu e pegou o aparelho, o número era do trabalho. Cogitou recusar, podia inventar que tinha dormido e não escutou nada no dia seguinte. Mas sabia que poderia ser importante e mesmo que estivesse teoricamente de férias, ela tinha feito um juramento de servir a qualquer momento. E sem muita animação, Verônica atendeu o telefone.

— Almeida, na escuta.


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