Ana Luiza é doida

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Encostei a cabeça do vidro surpreendentemente frio do ônibus. A fila de carros ia até o final da ponte. Bufei. Não era nenhuma novidade.Todos os dias eu saia do trabalho já com raiva do trânsito. Saber que era impossível fugir dele era a pior parte. As vezes eu "dava uma doida" e pegava a barca para escapar pelo menos da ponte Rio/Niterói. "Mora em niterói e estuda no Rio. O aluguel e as compras ficam mais baratas. Vale a pena" Vale a pena... Foi o que eles disseram. O que não disseram - mas que eu também fui muito ingênua para não adivinhar, era que eu passaria pelo menos quatro horas por dia dentro do transporte público. Não disseram que na "cidade grande" é mais difícil ainda arrumar um emprego. E que não tem um cara legal em cada esquina, como essas novelas fazem parecer. Merda de vida.

Todos os dias, eu fazia o mesmo ritual

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Todos os dias, eu fazia o mesmo ritual. Entrava no ônibus, colocava um fone e imaginava uma vida em que eu tivesse teletransporte. No fundo talvez eu só estivesse imaginando uma vida sem tantas barreiras. Eu pensava até sobre possíveis regras e possíveis motivos pelos quais eu ganharia o "tal poder". Na maioria das vezes, nos meus devaneios, chegava uma pessoa bem mais velha, com roupas formais e dizia que eu tinha ganhando porque eu pensava nisso todo dia. Talvez com o teletransporte eu pudesse ter algum sucesso na minha carreira - um tanto parada - de fotógrafa e encontrasse, entre uma viagem e outra, um amor. Mesmo que fosse um curto, tipo esses de verão. Eu só queria escapar do meu tédio. E o teletrasporte (ou melhor, imagina-lo) fazia isso por mim. Doidera, né? Sim, eu sei. Mas eu sempre fui chamada de doida. Por um motivo ou outro.

As vezes porque eu gostava muito de temáticas como viagem no tempo, teletransporte e múltiplas dimensões... Ou porque eu sempre perguntava para as pessoas "qual poder elas gostariam de ter" e esse tipo de coisa. Eu falava sempre que teletransporte era o meu favorito. E depois dos meus argumentos muitas pessoas acabavam concordando que esse é o poder mais legal. O Rick era um dos únicos que nunca concordava. O Rick é meu melhor amigo/amor platônico. Mas não quero falar muito sobre isso porque estou tentando superar, então... Voltando ao tópico, o Rick falava que o teletransporte "tira a graça da viagem". E eu sempre rebatia dizendo que tendo ele, a gente pode se teletransportar para partes diferentes da estrada e apreciar. Mas não o convencia. Não convencia porque Rick e a maioria das pessoas que dizem que o teletransporte "tira a graça", são pessoas ricas. E o Rick é aquele tipo de rico. Não é milionário mas é bem rico, tem empregada, casa própria, casa de praia, carro, família branca que veio do Sul... Essas coisas. E o que isso tem a ver? Tudo. Quem não passa horas no calor no ônibus, quem nunca perdeu o ônibus e ficou esperando uma hora no ponto, quem nunca quase ficou preso na porta no metrô tentando se espremer para entrar e principalmente: quem nunca deixou de ir em uma viagem foda por não ter dinheiro para a passagem não sabem o que isso significa. Pessoas ricas acham a estrada uma parte empolgante porque ela é apenas o meio do caminho e  não um obstáculo para chegar até algum lugar. Eu posso ser doida, mas em certos momentos sou uma louca consciente.

Desci do ônibus já pensando no que faria para jantar. "Putz, não tem cebola!", lembrei e bufei mais uma vez. Fui em direção ao mercado com aquele ânimo – só que não. O telefone vibrou. Olhei a tela. Era uma mensagem do Rick dizendo "Amanhã a noite vamos no Mary's pub? Quero que vc conh" Eu não cliquei na mensagem porque estava com preguiça de responder.

Regra Número 12Onde histórias criam vida. Descubra agora