Capítulo único

203 17 44
                                    

Para, Zlatan Ibrahimovic

Nem sei se esse é seu atual endereço, mas espero que caso não seja, o receptor me perdoe e repasse esse pedaço de papel até chegar em suas mãos.
Lembro me vagamente de quando éramos crianças, você tinha 10, eu tinha 8, eu gostava de ver meu irmão jogando, e você gostava de jogar com ele.

Lembro de que, quando Vadden não estava por perto, você adorava puxar minhas tranças, e ficava mandando eu ir para casa, que ali eu poderia me machucar.

Até o dia em que aconteceu. Estava torcendo na arquibancada, você tentou finalizar, iria fazer um gol de meio de campo, chutou a bola com muita força do ângulo errado.

Lembro da sensação da bola vindo em minha direção, foi como se tudo ficasse em câmera lenta. Fechei os olhos esperando pelo impacto. Lembro de como foi sentir o sangue escorrer por meus lábios, lembro de como fiquei zonsa ao bater a cabeça no cimento da arquibancada, lembro de ver seu rosto em uma mistura de fúria, preocupação e receio.

"Sempre avisei que não deveria ficar aqui!" Gritava enquanto ajudava Vadden a me levar para o hospital.

Lembro de como fiquei com medo de tudo e comecei a tremer, Vadden não estava ali, estava resolvendo a papelada, mas você não saiu do meu lado.

Talvez por se sentir culpado, mas pouco me importava. A dor que sentia não era nada perto do pânico que sentia ao perceber que você estava em minha frente, e qual não foi minha surpresa ao sentir sua mão, grande, áspera e cálida, acariciando minha maçã do rosto, subindo para secar minhas lágrimas, e descendo até minha mão que agarrava os lençóis da maca com força.

Sua mão formava uma grande concha ao redor da minha, e por fim me sentia segura.

Mesmo os grandes e frios aparelhos em que tive que fazer exames me pareciam tão assustadores agora, tudo estava quente e seguro perto de você.

Nessa época, ainda não tinha noção dos meus sentimentos por você, mas sabia que existiam.

Depois do trágico acidente, Vadden nunca mais me deixou ir a um treino, e aguardei até que pudesse decidir por conta própria.

Aos 15, lembro que entrei para as líderes de torcida, e agora nos encontrávamos frequentemente, você sempre suado e de cara fechada, saindo do treino, enquanto eu e o grupo ensaiavamos coreografias com saltos e piruetas para a abertura dos seus jogos.

Uma semana depois, Vadden e você, e todos da escola, e talvez da cidade, estavam ali, com os olhos focados no centro do campo, onde meu grupo se posicionava.

Os uniformes eram constituídos por um top colado ao corpo, que cobria praticamente 0 de nosso tronco, e uma mini saia, que também não cobria nada de nossas pernas.

Dançamos, pulamos, giramos, fizemos todo tipo de acrobacia, e saímos, deixando os funcionários limparem o gramado antes do início da partida.

Me sentei, esperando te ver jogar novamente. Procurei seu olhar, mas parecia ser invisível, como se uma parede de vidro falso nos dividi-se. Eu o via, já você...

No final do jogo, fizemos mais uma apresentação, e dessa vez pude correr para saber da opinião de vocês.

Ambos de cara fechada. Vadden falava que não deveria mostrar meu corpo daquele jeito, mas eu percebia seu olhar sobre mim, percebia que havia um desejo, e assim que ele percebeu que não era o único, tratou de me por no ombro e me levar para longe do gramado.

Por mais que me debater não fosse te abalar, me balancei até chegarmos em sua picape velha.

Você me colocou no chão, presa entre o carro e seu corpo, nossa proximidade era tanta, que podia sentir seus cabelos molhados pelo banho pós jogo contra meu rosto.

Simples e (não) romântico - IbraOnde histórias criam vida. Descubra agora