Capítulo Único

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Por três vezes Sasuke escapou do Oceano. Na última rendeu-se a ele.

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Desde que podia se lembrar, Sasuke amava estar perto da água. A mãe costumava brincar que ele havia nascido no corpo errado, em vez de um humano deveria ter nascido um peixe; ou uma orca como seu irmão mais velho insistia em dizer. As orcas eram as grandes predadoras do oceano e Itachi insistia em afirmar que o bico emburrado que o mais novo exibia era uma arma predatória capaz de reduzir a zero a vontade dos mais experientes conviventes.

Sasuke amava a água, amava os rios que se estendiam pelo país como largos dedos abarcando as extensões de terras e reivindicando-as para si; amava o mar e o bater das ondas, o cheiro da brisa que vinha do oceano. Ele simplesmente amava, como somente o coração puro das crianças é capaz de fazer. E talvez todo esse amor houvesse chamado a atenção do Oceano para si.

Até o acidente.

A primeira vez que o Oceano pediu por sua vida.

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Sasuke tinha 5 anos quando tudo aconteceu.

Em um momento estava sentado à beira do Cais Cherry Street, as pernas balançando sob a água e as mãozinhas cheias de pedras brancas que serviam de enfeite no interior do jardim, jogando-as o mais longe que conseguia enquanto as assistia quicar sob a água em pequenos arcos; no outro, quando deu por si, havia água por toda parte. Não sabia onde ficava em cima ou embaixo, tudo o que podia fazer era bater as pernas desesperado como a voz da mãe em sua cabeça lhe instruía a fazer, mas a direção estava errada e o movimento apenas o fazia afundar mais e mais nas águas do Rio Delaware.

Os lábios se abriram, tencionados a gritar, a implorar por ajuda, a pedir que o salvassem, mas tudo que passou por eles foi a água fria que invadiu seus pulmões.

Foi então que, num último rompante de consciência, enquanto assistia as bolhas de ar que lhe restavam subirem o caminho em direção a superfície, ele viu: uma cortina sedosa de fios lisos se espalhava a sua frente e dois olhos perolados tão brilhantes quanto a Lua lhe fitaram com preocupação em um rosto pequeno. Talvez fosse uma alucinação causada pela falta de ar ou então seria o seu anjo, aqueles que sua mãe tanto falava, que havia vindo para levar sua alma para o céu. Fosse o que fosse, com as últimas forças que ainda possuía, estendeu a mão e aceitou aquela que lhe era oferecida. O tímido relancear de um sorriso foi sua última visão antes de ceder a escuridão que o cercava e deixar-se afundar de vez.

Três dias depois, todos os jornais noticiaram a história do valente garotinho que caíra nas águas do Rio Delaware na Filadélfia, fora arrastado pela correnteza e passara 32 horas no mar à deriva até, por fim, ser encontrado em uma praia localizada em Atlantic City, vivo e sem ferimentos, insistindo em dizer que um anjo de olhos perolados e cauda de um roxo vibrante havia lhe salvado a vida.

As perguntas e toda a preocupação que a família havia passado nos últimos dias não foi completamente sanada por essas palavras. E Sasuke não ia voltar atrás em sua palavra, fato que assustava Mikoto que assistia o olhar de seu garotinho se tornar cada vez mais perdido ao fitar o grande trecho de água que atravessava a cidade.

Sasuke havia voltado ao cais outras vezes para tentar reencontrar seu anjo e ninguém entendia como ele conseguia chegar tão perto do lugar onde sofrera o acidente e não temer cair novamente nem mesmo por um segundo sequer. O que não sabiam era que, mesmo com o ocorrido, Sasuke não ficara com medo da água, pelo contrário, agora havia um novo motivo para amá-la ainda mais. Uma voz em seu interior o chamava incessantemente em direção ao azul e ele prometeu a si mesmo que, algum dia, a atenderia.

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