Às vezes você precisa sofrer o máximo de desilusão, ficar de saco cheio de tudo, não ver sentido em nada, em nenhuma daquelas caixas pré-concebidas que a sociedade tenta de empurrar, que seu pai ou sua mãe (ou você mesmo) desesperadamente tentam te encaixar, para ser alguém, para não ser o fracasso da família, para não ir parar embaixo da ponte (como alertavam, nas reuniões de família no calmo estilo italiano). Que peso! Por que as pessoas se deixam esmagar pelo medo de serem elas mesmas, em uma procura desesperada para terem seus diplomas, carimbados, validados, certificados, seus apartamentos, casamentos, carros do ano, viagens, tudo isso às custas, muitas vezes, de um chamado real do coração. Qual era, de fato, o sentido da vida? Tinha que existir algo a mais que isso. Algo a mais que pegar o ônibus, o metrô lotado, trabalhar, pensar em carreira corporativa, escolher uma faculdade que não me dizia nada, e depois nem saber o que fazer com isso.
Eu tinha 25 anos de idade, e já era divorciada. Tecnicamente, não era divorciada, mas sim separada, já que nunca quis me casar na igreja. Nunca acreditei em seus ditames. Tinha ido do kardecismo, à umbanda, ao budismo, ao hare, conhecia todos esses caminhos. E nem me lembro muito bem por que eu pedi ao Runi para me ajudar. Pedi a ele para me levar até uma floresta (na cidade urbana mesmo), uma pequena floresta dentro da cidade do Rio de Janeiro, um dos poucos espaços de árvores e belezas naturais que existiam como um respiro para os homens da cidade. Acho que não arrancaram apenas por uma questão sobrevivencial, para poder ter um mínimo de árvores gerando oxigênio limpo pra gente. Fora isso, a cidade era um mar de favelas, e tinha alguns pontos da cidade com pessoas ricas, e de tudo um pouco se misturava em todos esses polos, estando o empreendedorismo pulsando em todos eles, e em vários bairros da cidade.
E eu sabia que eu gostava disso. Gostava de empreender. Gostava de criar coisas novas, experimentar. Nada de trabalho de escritório. Aquilo me matava. Não dava mais pra mim.
Eu sabia que o Runi usava a Ayuaska para acessar outros portais. E a minha meta era fazer esse trabalho. Fazer uma cerimônia com a Ayuaska para pedir perdão aos escravos da Fazenda Biancovilli, em nome dos meus ancestrais.
E era o Runi que podia me ajudar.
Mas não foi nada disso que aconteceu no dia do nosso encontro na mata. Eu não encontrei os escravos. Não pedi perdão. Hoje, quinze anos depois, eu entendo que eu não estava preparada. Então, em vez do que eu esperava, o que aconteceu quando eu me desprendi no plano astral, enquanto o tambor do Runi rugia em volta de mim, como um tigre que fazia uma proteção perfeita para o meu campo astral, o que aconteceu foi que um Mestre alto, forte e careca, que mais parecia um monge budista meio gigante, apareceu para mim, para me saudar, e me deu um cumprimento tão agradável quanto inesquecível (o que me dá prazer de lembrar até hoje): ele se ajoelhou frente a frente comigo, e colou o topo da cabeça dele no topo da minha cabeça e, instantaneamente, eu vi o Universo inteiro virando uma "grande piscina sem fundo". O que eu quero dizer com isso é que as dimensōes, a percepção do espaço-tempo, ficaram completamente alteradas. E lá estava eu, recebendo todo aquele amor, aquela bênção, daquela presença inesperada. Eu não sabia o nome daquele Mestre, mas eu podia sentir seu espírito "samurai", a imensidão da força de caráter de seu espírito, e fiquei feliz em ser merecedora daquele gesto.
Esse Mestre me levou para bibliotecas no astral, que continham discos lindos, onde eu podia tocar e absorver, imediatamente, infinitos conteúdos sobre os mais diversos temas. Depois que eu passei a ter acesso a esse tipo de tecnologia literária ultrassônica, ficou um pouco tedioso para mim ler os livros impressos na Terra, coisa da qual me curei de novo depois, voltando a ter prazer em ler pa-la-vra-por-pa-la-vra, bem devagar. Também existe um tipo de prazer bastante peculiar nisso. O cheiro do livro impresso, principalmente, é algo delicioso demais.
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Soberana de Mim
SpiritualNeste livro, eu revelo, como um sopro, um recorte do meu espaço-tempo, as alegrias mas também as estonteantes desilusões que vivo e vivi, para chegar até este ponto do aqui e agora. Falo as minhas experiências com samurais do astral, guardiões e mes...