É madrugada, já são 01:34 da manhã e ainda está muito longe do meu plantão acabar. Sou o médico em um hospital de uma cidade pequena chamada Eltonville, aquela típica cidadezinha americana em que todos se conhecem.
Tenho 31 anos e sou o mais velho dos meus irmãos, em jovem idade comecei a trabalhar para ajudar minha mãe já que ela sozinha cuidava de mais 2 crianças, meu pai morreu em uma chuva da qual alagou toda a cidade e fez inúmeras vítimas. Fui até então o único filho a cursar uma faculdade, com o objetivo de dar a minha mãe uma boa vida, escolhi medicina pós desde cedo aprendi a cuidar não só dela mais dos meus irmãos.
Agora são 01:58, uma paciente é encaminhada às pressas para a UTI. A paciente é uma jovem, aparenta ter 16 anos e está gestante. A garota tem um ferimento na barriga, possivelmente de faca.
Encaminho ela até a sala de cirurgia, tudo deve ser feito com o máximo de cuidado possível para não piorar o estado da gestante e do seu bebê. Depois de alguns minutos a cirurgia acaba e a criança está em bom estado, por sorte não afetou o bebê e nem a bolsa gestacional. Ela está em repouso e o quadro permanece estável, a garota está com 9 meses e em alguns dias irá dar a luz a um menino, mas temo que ele nascerá com uma deformidade em sua perna já que a ultra-sonografia mostrou um corpo estranho saindo da mesma.
02:27, uma mulher entra no hospital dizendo ser mãe da jovem, a mulher que está em seus 45 anos apresentando alguns fios de cabelo branco está com uma bolsa grande apoiada em seus ombros.
- Posso ajudá-la? - pergunto.
- A minha filha, soube agora que ela tomou uma facada, ela está bem? E o bebê? - pergunta ela claramente nervosa e preocupada com toda a situação.
- Sim ela está, e o bebê também. Mas receio que ele nascerá com uma deformidade em sua perna.
- Isso é genético, o pai também tem isso já estamos preparados para o que irá vir. Eu posso vê-la?
- Ela está em repouso receio que esteja sedada, mas irei verificar como ela está.
- Obrigada doutor, o senhor é muito importante para a vida desse bebê.
Saio da presença da mulher e vou até o quarto da jovem gestante, verifico os aparelhos e a contidade de soro que está sendo administrada, ao me virar me deparo com a jovem olhando para mim, um olhar de medo com faíscas de desespero em seus olhos castanhos.
- Ela está aqui? - pergunta a jovem com voz baixa.
- Sua mãe? Sim ela está na recepção.
- Não doutor, ela não é minha mãe. Ela está aqui para me levar.
- Você não pode sair daqui, está sedada e seu ferimento poderia ser fatal.
- Doutor, o senhor tem que me ajudar. Ela... ela quer isso que está em mim.
- Seu bebê não pode ser levado por ninguém.
- Não doutor, não é um bebê. É uma... coisa monstruosa.
- É por causa da deformidade?
- Não doutor, o senhor não entende, eu preciso sair daqui.
- Você não pode sair, os policiais estão a caminho eles farão algumas perguntas para você sobre quem te deu a facada.
- Fui eu! Eu mesma fiz isso na intenção de matar essa coisa em mim, mas não deu certo, ele é mais forte.
Fiquei em completo choque ao ouvir aquilo, uma garota tão jovem dizer tal coisa e pior, colocar em risco sua vida e a do seu filho. Aquilo foi algo que em meus anos como médico nunca me ocorreu.
- Olha só, eu vou deixá-la sedada por um tempinho ok?
- Não deixe ela vim até aqui, por favor doutor, eu imploro.
Seus olhos estavam encharcados com lágrimas e seu olhar continuava a ser uma tentativa de fuga em uma prisão de nome desespero. Talvez por esse motivo eu concordei com seu pedido, e a deixei de certa forma tranquila.
- Qual o seu nome?
- Meu nome é Kai... - adormeceu antes de completar, mas acho que era Kaite.
Volto para a recepção e vejo a mulher falando no celular, as únicas palavras que consegui ouvir foram "... venha rápido!", ela se virou e ao me ver perguntou como a jovem estava.
- Ela está sedada, acordou por um momento mais estava sentindo muita dor então deixei ela dormindo mais um pouco.
- Isso é bom! Ela disse mais alguma coisa?
- Não... mas parece que ela está rejeitando a criança.
- Sim, ela está.
- Por que?
- Bom... - ela segurou meu braço até um canto mais reservado - Ela foi estuprada, por um dos nossos vizinhos. Eu me culpei muito pois naquele dia eu tinha saído para fazer compras mas não precisava fazer, quando voltei do mercado eu a encontrei, com o corpo mole e sangue em toda parte.
- Eu sinto muito...
- Tudo bem, obrigada. A justiça foi feita mas depois daquele dia... tudo mudou, ela começou a ter delírios e ter pesadelos durante dias, e agora que ela está na reta final da gravidez parece que tudo piorou, ela até acredita que eu não sou a mãe dela, diz que sou uma estranha e que eu quero fazer mau a ela.
- Eu entendo, bom, eu deve preencher a ficha dela com os dados pessoais, nome, endereço, telefone, tudo ok?
- Tudo bem, obrigada doutor.
Encaminhei ela até uma das recepcionistas para ela preencher a ficha da pobre paciente, essa é a parte mais difícil em ser médico, não se apegar aos pacientes, isso mais atrapalha do que ajuda. Fui até a cantina buscar um café quando vejo uma mulher alta com óculos escuros, batom vermelho e um lenço que longo que cobria todo o seu cabelo em forma de turbante, ela havia pegado um copo de café e vinha caminhado em minha direção, mesmo com os óculos escondendo seus olhos notava-se que ela estava me encarando. Ela era bonita e tinha um ar de sedução que enlouqueceria qualquer homem.
Ao chegar na bancada da cantina perguntei ao Jeff um garoto jovem que gosta de cultura pop quem era aquela mulher, ele disse que não sabia quem era mais ela era "gostosa", e de fato, ela chamava e atiçava minha atenção. A pois um copo de café voltei a recepção e vejo que agora as duas mulheres estão conversando entre si, me aproximo e a mãe da jovem me entrega a ficha com os dados da paciente, a mulher, ainda com óculos escuros me olhava com um ar de sedução.
- Posso ver minha filha agora doutor?
- Eu... eu.. - balanço a cabeça em um movimento rápido - Eu vou ver como ela está, então irei liberar a senhora.
- Tudo bem, muito obrigada. Essa é Lorelay.
- Como vai? - digo ao segurar sua mão gelada.
- Bem, apesar do ar condicionado. Não gosto de ambientes frios.
- Por que?
- O tudo o que é frio é sem vida, e eu gosto de me sentir viva, doutor.
- Entendo - digo eu após engolir a seco - Bom, eu vou ver a sua filha ok?
Saio antes de ouvir a confirmação, assim que entro no quarto vejo a jovem garota tentando se levantar, em passos rápidos consigo impedi-la e coloco ela na cama.
- Você precisa descansar.
- Não posso doutor, ela ainda está aí?
- Sim, a sua mãe está sim.
- Ela não é minha mãe doutor, o senhor não entende?
- Sim, claro que entendo. E eu sinto muito pelo o que aconteceu, sei que foi algo traumático.
- Não, o senhor não sabe. Eu... eu preciso sair daqui, por favor!
- Olha, eu vou aplicar esse medicamento em você, você não vai dormir mais vai ficar mais calma ok?
- Não, por favor doutor o senhor é minha única esperança.
Aplico o medicamento em em poucos segundos o desespero em seus olhos some completamente, creio que agora ela estará mais aliviada de seus delírios.
- Eu já volto Kaite.
Antes de fechar a porta escuto um leve sussurro me respondendo.
- Kaila, meu nome é Kaila.
- Tudo bem Kaila.
Ao fechar a porta vou direto a recepção e entrego a ficha da paciente.
- A ficha da paciente do quarto 23, Kaila.
- Katie.
- O que?
- O nome na ficha doutor, está Kaite.
- Sim... foi o que eu quis dizer.
Estranho, por que dois nomes diferentes? Kaila pode ser apenas um delírio, ou quem sabe ela pode estar falando a verdade. Não, é impossível. Ao andar pela recepção vejo a mãe da garota mas dessa vez sozinha, sem aquela mulher misteriosa.
- Ela está bem? Posso vê-la?
- Ela está sedada, mas sim, pode vê-la. Me acompanhe.
Enquanto andamos em direção ao quarto da garota observo uma parte de uma tatuagem no ombro da mulher. Isso me intrigava pós não imagino uma mulher daquela idade com um dragão tatuado nas costas.
- Tatuagem grande.
- O senhor é muito observador, consequências de uma adolescente rebelde.
- Entendo. Bom, chegamos. Eu vou deixá-las a sós.
- Obrigada doutor.
- Com licença, antes, conhece alguma Kaila?
- Não, apenas uma amiga de infância da minha Kaite, mais isso tem muitos anos. Por que?
- Não, por nada. Fique a vontade.
A porta se fecha então vou até a recepção, ao chegar lá vejo que outros pacientes e tudo isso leva mais ou menos 1 hora, agora são 04:12 da manhã e tudo está tranquilo, isso é bem raro em um hospital, mesmo em uma cidade pequena. Me aproximo de uma das janelas e vejo do lado de fora uma figura de alguém vestindo um manto preto, e ao piscar os olhos vejo que não é apenas uma pessoa, mas sim de 25 a 30 pessoas.
Informo ao segurança que está a poucos metros de mim, ele olha pela janela e logo chama todos os seguranças, mas ninguém responde, ele saca a sua arma e pede para todos ficarem calmos e nesse momento as luzes se apagam e ouço um grito e logo após algo molha meu rosto, tirou o celular do bolso e ativo a lanterna e vejo o corpo do segurança na minha frente e minhas roupas cobertas com seu sangue. Todos se desesperam e saem correndo mais ouço gritos e o cheiro da morte onde quer que eu vá, corro até o quarto 23 e ao entrar vejo que nem a mãe e nem a garota estão lá. Então ouço um último grito e então, silêncio mortal.
Desligo a lanterna na esperança de não ter sido visto. Meu coração bate de maneira rápida, minhas mãos antes firmes tornam-se trêmulas e minha respiração ofegante. Ouço o som de passos então me abaixo de maneira devagar para olhar em baixo da porta, vejo pés descalços e em um piscar de olhos eles somem, ao me levantar percebo uma gosma caindo sobre meu ombro quando penso em olhar para o teto duas mãos me agarram pela cabeça e me suspendem, ao olhar para a criatura em minha frente vejo que é aquela mulher que vi mais cedo. Seus olhos eram totalmente negros mas onde seria a íris de seu olho tem um círculo luminoso, no lugar de seus cabelos haviam tentáculos e com o corpo completamente nú algumas escamas eram visíveis. Ela trouxe meu rosto para perto do seu e lambeu-me com uma longa língua bifurcada, logo após me atirou tão longe e forte que acabei quebrando a porta do quarto.
Ao levantar a cabeça percebo que estou cercado por pessoas vestidas com mantos pretos.
- Deixem ele vivo! Preciso da ajuda dele, não é mesmo doutor?
Era aquela mulher, a mesma que se dizia ser mãe da jovem, agora vejo que tudo era verdade, tudo o que a jovem garota disse era verdade. Ela me obrigou a ficar de pé e acompanhá-la, em nosso trajeto ela dizia toda a verdade. Que não era mãe da garota, que de fato ela foi estuprada mas não lembra exatamente como isso aconteceu e que hoje eu teria a honra de trazer a vida o rei desse mundo.
Chegamos em uma sala completamente vazia, apenas com a jovem Kaila no meio do que parecia ser um triângulo com uma linha no final com uma espécie de símbolo de igualdade atravessando essa linha central.
- Vá até ela! - disse a mulher.
Fui em passos trêmulos de nervoso e medo, ao olhar para o lado vi o pobre Jeff me olhando com choro em seus olhos.
- Kaila, hey, Kaila. Você está bem?
- Eu disse doutor, ela quer me levar.
- Tudo bem, vai ficar tudo bem.
- Doutor...
- Sim Kaila, eu estou aqui. O que foi?
- Mate essa coisa dentro de mim. Me mate.
- Já chega! - gritou a mulher.
Ela começou a tirar a blusa e ficou com os seios à vista.
- O senhor doutor vai fazer o parto dela, agora.
- Mas eu não posso fazer isso assim, sem condições médicas.
- Eu já vi diversos partos em pântanos e cavernas, na sala de um hospital na deve ser tão difícil assim.
- Você não entende, ela pode morrer.
- Não me importo com a vida dela doutor, apenas com a da criança.
- Não, eu não posso fazer isso.
- O senhor vai fazer por bem ou quer que a Medusa te convença?
Ao dizer essas palavras a mulher com tentáculos na cabeça saiu das sombras e me olhou fixamente nos olhos. Fiquei paralisado de horror por alguns instantes.
- Então doutor? O que vai ser?
- Eu faço.
- Muito bem, e doutor, caso aconteça alguma coisa com a criança irá preferir a morte do que qualquer outra coisa. Comece!
Ela virou de costas e vi o mesmo símbolo no chão tatuado em suas costas com alguns tentáculos em volta. Kaila estava tão abalada que não conseguia se mexer, iniciei o trabalho de parto, e enquanto Kaila gritava de dor todas aquelas pessoas encapuzadas cantavam alguma espécie de oração ou hino incompreensível para meus ouvidos. Após 30 minutos de gritos, sangue e ritos a garota deu a luz, mas aquilo que estava em minhas mãos cobertas de sangue não era um bebê. Era uma monstruosidade, o ser pequenino não tinha uma deformação física, ele era um misto de ser humano com o mais terrível monstro tirado dos meus piores pesadelos. A mulher se aproximou de mim e disse.
- Me dê ele!
Eu levantei e entreguei aquela coisa para a mulher.
- Fez um belo trabalho doutor, veja, não é lindo?
Aquela visão me fez embrulhar o estômago, como aquilo poderia ser lindo? Uma criança que nasceu com aquilo no lugar dos pés... ela se afastou de mim e disse.
- Venham, contemplem Crisantito, o rei desse mundo! - disse ela levantando aquela coisa.
Enquanto ela fazia comemorava o nascimento daquilo eu tentava salvar Kaila, mais ela não iria sobreviver, não naquelas condições. Sofria de hemorragia interna, mas suas últimas palavras por mais que tenham sido fracas foram as mais firmes que eu já ouvi.
- Mate aquela coisa.....
Ela tinha razão, eu precisava fazer aquilo, eu era o único naquele momento a fazer aquilo. Antes que eu pudesse me mexer senti algo me segurando ao olhar para trás vejo que aquela mulher, Medusa, estava montada em mim com as pernas e braços entrelaçados em mim, sua força era impressionante.
- Tragam a primeira oferenda para o nosso rei. - disse a mulher.
Então vejo o jovem Jeff sendo levado, ele gritava e implorava por misericórdia mas ao colocá-lo na frente daquele monstro, o corpo de Jeff cai com o rosto completamente devorado. A mulher veio até mim segurando aquele coisa.
- Venha, e veja a verdade em seus olhos.
Ao olhar nos olhos daquela criatura percebo que são de um vermelho escuro, e ao olhar vejo a imensidão do vazio, vejo o fim e o início, contemplo o nada...
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O Culto
HorrorApenas histórias alternativas que podem ou não se passar no mesmo universo...