Sua obra, que era notável, ganhou quase tanta evidência quanto sua figuraEsta parte da metrópole abriga um bairro chamado Pontal dos Lagos, mesmo sem nenhum lago visível por ali. Ele era dividido em dois, o Alto Pontal e o Baixo Pontal. Alto Pontal e seus prédios de condomínios alto padrão, um jardim suspenso, uma catedral imponente e logo atrás dela, o mais luxuoso cemitério da cidade. De comércio apenas poucos empórios requintados e restaurantes de alta gastronomia. Linhas de ônibus e outros transportes coletivos não circulavam por lá. O Baixo Pontal era outra coisa. Suas ruas eram encobertas pelas sombras dos prédios em Alto Pontal, quase todas eram calçadões por onde circulam as pessoas diferenciadas e viaturas. Frequentado por jovens e universitários, artistas de rua, músicos, artesãos tatuados e de pele queimada pelo sol. Os bares e eventos em espaços abertos atraem esse público. Murais grafitados como pano de fundo. Sarais eram diários e as sessões de cinema na praça ficavam nas noites de domingo. Arquivo vivo de cem anos da melhor boemia sempre se renovando.
Há alguns anos Baixo Pontal viveu um momento único, um clima de efervescência. Havia eletricidade no ar e fogo no chão. Bastaria apenas uma fagulha para incendiar tudo. E Sid Lazar foi para muitos essa faísca.
Nesse tempo era artista plástico, colunista, ativista, talentoso e muito carismático. A mídia o transformou no rosto do movimento Arte Viva. Desde aquela fotografia no "Festival do Sagrado, Profano e Mundano" foi do Baixo Pontal para o mundo. Aquela entrevista marcante na mesma noite, de cabelos armados para o alto como labareda, seu rosto afinado e triangular. A imagem deu o tom para tudo que acontecia em Alto Pontal.
Artistas de outros talentos do Baixo Pontal também foram elevadas como celebridades. O festival deu sua mensagem e ocorre até hoje, mas os dois ou três primeiros é que possuíam a verdadeira chama. Hoje temos redes de fast-food e refrigerantes patrocinando tudo por lá.
A Arte de Sid era original e verdadeiramente notável. Seus murais estavam em todo o bairro e outras partes da cidade. Era vista nas capas de álbuns musicais, muitas produções cinematográficas o chamavam para compor equipe técnica. Mais uma vez, do Baixo Pontal para o mundo.
Em quase todos os eventos ele posava ao lado da companheira Lena, que era atriz, produtora, roteirista e diretora de teatro. Ela praticamente nada tinha a ver com a cena artística do Baixo pontal. Sua carreira estava praticamente toda nos luxuosos e tradicionais teatros da Avenida 10, frequentados pela intelectualidade e a alta sociedade. E mesmo assim a imagem que criaram era de inseparáveis e mutuamente pertencentes.
A reclusão do artista é morte ou renascimento. Pode ser morte e renascimento...
O fato novo era o comportamento recente do artista. Após sete anos daquela foto no Festival ele era menos visto em público. Tinha viajado o mundo várias vezes nesse período e decidira por fim que odiava viajar. Sua zona de conforto era seu lugar de inspiração. Depois de um tempo suas obras viajariam o mundo, ele não.
Na verdade, Sid quase não saía de seu sobrado. Era seu refúgio que era sua casa, sua oficina e seu ateliê. Fica na rua mais residencial do Baixo Pontal. E isso dava o que falar. Por parte dos críticos, sua capacidade artística estava estagnada, lhe faltariam certas qualidades. Os amigos e conhecidos achavam que depois de rico e famoso estava de estrelismo. Já para seus fãs e admiradores trabalhava em algo novo, uma transição, uma nova fase. Em seus últimos textos publicados nos jornais ficava evidente sua posição em relação às novas mídias que estariam afastando o grande público dos meios genuínos de necessária reflexão.
Nesse caso, todos esses grupos possuíam uma parcela da razão. Estava realmente rico e famoso, tinha alguma vaidade, trabalhava muito (mais em reflexão do que concretizando), buscando sentir algo realmente genuíno para poder criar (podia-se considerar Sid uma pessoa honesta artisticamente) e isso o estava consumindo demais. Suas taxas de drogas realmente estavam acima do normal, inclusive a cafeína e açúcar. A única pessoa que desejava ver era Lena. Mas Vesta Rizzo, sua ex-professora e mentora era uma presença aceita. Também tinha Rocco, o seu "faz tudo" nas coisas administrativas, burocráticas, "fornecedor" e segurança.
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A Obra Inacabada de Sid Lazar
Short StoryUm homem se torna recluso depois de abalar o mundo com sua arte. Para se reafirmar como autêntico ele precisa apresentar algo novo e revolucionário. Ele quer sair de seu refúgio com uma arte nova e transformadora de corações. E para isso não recusar...