"Ao sol do verãoO sorvete se derrete
Namoro desfeito."
Anibal Beça
O lugar velho havia sido descoberto por acaso. As vitrines estavam sempre sujas e tudo que um cidadão de bem podia fazer de melhor era ignorar a antiga propriedade, desocupada há mais de dez anos. Sem letreiro e com a fachada escura, o local estava abandonado em meio a outros negócios pacatos da pequena cidade de interior.
O que fez Jonas descobrir o lugar antigo foi a tempestade de um fatídico fim de semana, a mesma que levara embora seu irmão. A chuva forte havia lavado a vitrine suja e revelou um mundo escuro de possibilidades para Jonas. O interior possuía as mais belas pinturas que ele vira em seus míseros treze anos. A arte na parede variava desde deuses egípcios até desenhos psicodélicos com discos e formas estranhas demais para a mente de um menino naquela idade.
Ao que tudo indicava, o local havia sido uma livraria. O que denunciava eram as estantes quebradas abandonadas em um dos cantos. Para Jonas, nada além das imagens eram relevantes e elas serviram de conforto em sua vida após a morte de seu irmão. Sem autorização dos pais, Jonas entrava na velha livraria e passava horas a fio sentado no chão, apenas vislumbrando as belas imagens marcadas pelo tempo. Em sua mente elas ganhavam vida e se moviam, contando infinitas histórias de glórias, amores, batalhas, amizades, fantasias, sonhos e tudo mais que a mente fosse capaz de conceber.
A mãe de Jonas nunca questionou o garoto quando ele disse que havia feito novas amizades e estava brincando pelas ruas da cidade, mas todos os dias Jonas saia do colégio e ia para a livraria velha para deixar sua imaginação fluir. Era sua rotina diária sagrada. Com pouquíssimas exceções, ele visitou o local quase todos os dias do ano, sempre rezando para que não surgisse um novo proprietário, que certamente pintaria as paredes com alguma cor sem vida. O menino perguntou para a mãe se ela havia conhecido o local antes dele fechar e ela lhe contou que o pai dela falava bem, mas quando ela nasceu, a livraria já fora abandonada. Segundo o avô de Jonas, era um lugar com bastante livros e gerenciado por um único homem, o dono, que era cego de um olho e parecia envelhecer muito rapidamente. Certo dia, ele não apareceu e deixou o negócio aberto com todos os seus livros abandonados. A maior parte deles foram doados pela prefeitura da cidade e o local nunca tinha encontrado um novo dono desde então.
No dia do funeral de seu irmão, Jonas afastou-se de sua família por alguns minutos e foi até a esquina do cemitério. Sua mente de criança falhava em entender o fato de que nunca mais veria o irmão. Quando Jonas passou pelo muro, percebeu que um caminhão estava parado bem perto, estampando um sorvete gigante estilizado com a palavra "Sorvetão". Aproximou-se e um homem veio até ele.
– Boa tarde, rapaz – disse o homem, com um ar divertido. – Há questões na vida que nunca entenderemos. Sei bem como é isso. Quer um sorvete?
– Sim... – respondeu Jonas, esfregando os olhos vermelhos cheios de lágrimas.
O sorveteiro virou-se e entrou no caminhão. Em poucos segundos saiu de lá com um sorvete rosa.
– Esse sorvete tem sabor de tempo – disse ele, o entregando para Jonas.
– Não é morango?
– Não. É de tempo. Um dia o tempo vai lhe curar e a dor da perda de seu irmão será apenas uma distante memória – o sorveteiro sorriu. Jonas notou um brilho em seus dentes, mas não entendeu muito bem suas palavras.
Jonas voltou para o cemitério e comeu o sorvete todo no caminho. Nunca mais lembrou-se da conversa com o sorveteiro.
O tempo passou. Jonas superou a morte do irmão. Ninguém comprou ou alugou a livraria velha.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Sala do Tempo
ParanormalJonas é apaixonado por Helena de forma obsessiva. Quando a garota dá um fim repentino ao relacionamento, o rapaz entra em pânico. Na antiga livraria da pequena cidade onde vive, Jonas descobre um lugar de paz para refletir enquanto olha o antigo pap...