Prólogo

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Era noite quando passos adentraram o formidável bar da esquina. Um, dois, três segundos... e lá estava Hércules, sentado sobre a banqueta no balcão e fazendo gesto para pedir o drink de sempre.

- Faz tempo que não te vejo Hércules – começou o atendente no balcão. Pegara um copo grande de vidro azul e encheu-o com cerveja.

- Anime-se Dante, fiquei poucos dias fora. Você sabe que eu nunca deixaria de vir aqui. Tenho que te dizer: o movimento por aqui caiu.

- É a crise meu fiel cliente. Um absurdo, não? Em pleno 2044 e os escândalos de corrupção não param. A realidade do meu bar é a realidade do Brasil. O povo anda sem dinheiro.

- Imaginei que fosse. Tenho um amigo que diz sonegar o imposto, posso perguntar o que ele faz e te ensinar. Sei que parece errado, mas é a única forma que temos de nos defender. Os impostos já são roubados mesmo... espera! Acho que conheço o senhor. – Hércules volveu ao homem que jazia na banqueta ao lado, e até então estava despercebido.

O estranho era alto e forte, com riscos de definição; o rosto harmônico combinava perfeitamente o maxilar quadrado e a barba rala, com os olhos castanhos e o cabelo negro arrepiado e caído pra frente. Vestia roupa social azul-escuro de manga comprida e calça jeans, comum a qualquer momento. De brilhante, tinha o fino cordão de prata ao redor do, merece seu destaque, perfeito pescoço.

A excelente aparência era notável e deveria brilhar mais se estivesse em bom estado. Mas a verdade é, que naquele momento, a estética ofuscava-se devido a destruição e falta de cuidados. A blusa social estava rasgada em alguns pontos e amaçada em outros; do rosto, olheiras abaixo dos olhos e sujeira nas bochechas; do cabelo e barba restaram o emaranhado de fios bagunçados que não visitavam qualquer barbeiro há muito tempo. Fedia, e o hálito era desagradável. Também lhe faltava calçados e os pés não desgrudavam do chão.

- Conhece mesmo – confirmou o estranho.

- Não consigo me lembrar com perfeição, mas o rosto é familiar. Qual o seu nome?

- Depende de quem pergunta – respondeu com ironia. – Você me conhecia por Henrique durante a infância. Estudamos juntos naquele colegiozinho atrás do rio.

- Henrique? Henrique... – Hércules cofiou o queixo nu e pensou por segundos. Me ajude Dante, você é meu amigo de infância e deve se lembrar.

- Nos conhecemos na rua, não estudávamos juntos – respondeu o dono do bar.

Na falta de memória, convinha a Henrique dar maiores explicações:

- Lembra-se de um gordo que costumava sofrer? Tinha tantos apelidos que sequer lhe conheciam o nome.

- Agora que falou acho que me lembro. Ele sempre era rejeitado pelas meninas e apanhava dos mais velhos, isso mesmo? Eu não tinha nada contra ele, mas como não sabia o nome sempre o chamava de rabicó, leitão; droga, quando somos jovens fazemos tantas besteiras. Também me lembro que ele trabalhava num comércio de família, não era?

- Isso, esse aí mesmo. – A voz de Henrique estava claramente abatida e tristonha, pesando o clima e sugando a energia boa do ambiente.

- Mas o que tem ele? Não é você é? Caramba quanto tempo. Agora fiquei sem graça pelos apelidos.

- Não fique. Na época foi difícil, mas se não fossem as dificuldades eu não seria o que sou hoje.

- Caramba, vamos tomar uma?

*

- Poxa, faz o que? 30 anos? – Disse Hércules. – Se hoje tenho 46 você deve estar próximo disso.

- Tenho 45.

- Nossa! – Assustou-se Dante. – Você parece ter uns 50 ou mais.

- Agradeço-te pela fala – zombou Henrique.

- Vamos vamos, é claro que tem alguma coisa te incomodando não é? A roupa não combina com a aparência, e o cheiro de bebida só mostra que você está tentando esquecer algo. E não precisa ser tão formal – comentou Hércules. – Está entre amigos, não com seu chefe.

- Sei que falo diferente, mas se parar pra pensar eu apenas falo corretamente. Se o nosso português pode ser belo, por que "enfeiá-lo"?

- Certo certo, então que seja feita a vossa vontade – brincou Dante.

- Me fala ai Henrique, o que fez por todos esses anos? Eu falaria sobre mim mesmo, mas não fiz muita coisa excitante na minha vida. Eu era forte, você deve se lembrar. Quando terminei a faculdade já virei pai, casei, e hoje trabalho como supervisor de vendas. Sou tão normal quanto pareço – disse sorrindo –; fale de você por enquanto. Com certeza mudou muito.

Henrique animou-se com a atenção que o conhecido desconhecido homem lhe dava e disse:

- Posso contar, mas se começar a enjoar avise-me, não quero cansar-te nos ouvidos e mandar embora com chatices um cliente de Dante.

- Falando em clientes – começou Dante. – Não fique ofendido, claro que para mim quanto mais fregueses melhor. Mas por pura curiosidade, nunca te vi aqui antes, como veio parar aqui?

- Tudo vai fazer sentido no final da história Dante, se der tempo de chegarmos até lá. Enquanto isso, encheremos nossos copos.

DON JUAN BRASILEIRO (HOT)Onde histórias criam vida. Descubra agora