Parte II - Mente

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Harry não esperou enxergar Malfoy naquele dia; ver, sim, enxergar de verdade, não. Não estava em seus planos nada do que havia acontecido, sentido, feito. Teriam um jogo, e o que era um jogo para alguém que tinha lutado na grande guerra do mundo bruxo? Exato, nada, uma brincadeira de criança que estava ali apenas para distrair todos do luto, das lembranças cruéis, do trauma. Entendia a postura de Hogwarts, eles queriam que os alunos seguissem em frente, que aprendessem a viver com as memórias ruins e com as perdas. E concordava! Mas, ainda assim, era difícil...

No primeiro dia daquele semestre, caminhar pelos corredores da escola não fora acolhedor. A cada esquina que virava, o coração batia forte e a ansiedade atacava com a imaginação de que haveria ali alguém à espreita para matá-lo. Quando a noite caía, era impossível bloquear a visão da troca de feitiços a romper a escuridão, ainda tremia com a imagem da barreira protetora de Hogwarts caindo, desfazendo-se como papel a queimar, cada pedaço de esperança flutuando e se perdendo antes que os comensais invadissem a escola junto de Voldemort.

Demorou para que se sentisse seguro em Hogwarts de novo, para que conseguisse dormir e se sentir protegido entre as paredes do dormitório. Os pesadelos ainda permaneciam, motivo pelo qual tentava não dormir no dormitório da Grifinória e buscava algum conforto nos lugares mais afastados e isolados do castelo.

Quando o anúncio do jogo veio, não soube o que sentir. Fazia tempo que não voava, e as lembranças de seu aniversário de dezessete anos estavam frescas demais para fingir que aquilo não o abalava. Seu almoço jazia no lixo, o gosto amargo do vômito não saiu mesmo após lavar insistentemente a boca. E ele não gostou do frio na barriga enquanto a treinadora falava sobre as regras que todos ali já estavam cansados de saber.

Apertou a madeira, sentiu a mão gelada, o suor do nervosismo. Tremia. A visão do chão não o assustava, não era esse o motivo de seu tremor, mas sim os flashes, Edwiges, Alastor, tantos outros. Não podiam exigir que ele simplesmente esquecesse! Que se levantasse no dia seguinte "bem" porque era o que "eles iriam querer"! Não era assim que o mundo funcionava! Ele precisava de tempo para digerir a própria dor, tempo esse que lhe negavam e que então faria com que ele vomitasse tudo para fora uma hora ou outra. Alguém tinha que ensinar aos bruxos a importância da porra de um psicólogo, lembrava-se de ter pensado quando McGonagall chamou sua atenção em uma das aulas e tinha certeza, pela expressão ofendida dela, de que ela lera sua mente.

Tentou controlar a ânsia, acalmar a mente. Os outros jogadores estavam bem, ao menos pareciam bem, e até mesmo a Sonserina parecia decretar uma trégua já que não havia provocações, sorrisos debochados, nada. Cada jogador ali sentia o peso daquele jogo e concordavam em silêncio em fazer o melhor, em enterrar as diferenças pelo menos naquele dia.

E foi quando o viu Malfoy. Não era para ter visto aquela cena, sentia que, se o outro soubesse que era observado, ele nunca teria se mostrado tão aberto. Não conseguia puxar na memória uma única lembrança de Draco Malfoy sorrindo de felicidade, apostaria o que quisessem no fato de nunca ter visto tamanho brilho nos olhos cinzentos. Draco encarava a própria vassoura com alegria genuína, como se tivesse acabado de recuperar uma parte de si mesmo. Os olhos dele brilhavam em admiração e ansiedade, as mãos firmes como se quisessem sentir em cada centímetro a madeira, o sorriso grande quase como se na iminência de uma risada aliviada.

Era um soco no estômago. A imagem de Draco Malfoy feliz com tão pouco só o fez lembrar do pânico nos olhos dele quando o salvara do incêndio na sala precisa, quando foram capturados, quando o obrigaram a tentar matar Dumbledore, quando o tinha deixado sangrando no chão do banheiro...

Malfoy sempre lhe arrancava as mais diferentes emoções, sabia disso desde o quinto ano. Toda vez que achava que o entendia, o destino ria de si e jogava em sua cara que ele não passava de mais um no meio da multidão, mais um que enxergava apenas o que queria e o que fazia sentido na sua mente limitada. Havia acusado Malfoy de tantas coisas, tinha construído uma imagem sólida do mau caráter dele que se partiu em mil pedaços ao descobrir a verdade. Ouvir Malfoy chorar, entender as ameaças sob as quais ele estava, que o faziam refém e o obrigavam a agir, quebrava-o, quebrava a imagem que tão bem tinha montado dele e que o mantinham longe de sua mente, longe do que desejava...

Por partesOnde histórias criam vida. Descubra agora