Um passo de cada vez. Era assim que sua mãe sempre dizia.
Está com fome? Pois bem, uma refeição não vai magicamente surgir em sua frente! Primeiro você terá que separar os ingredientes — porque até mesmo um simples sanduíche tem ingredientes —, depois coloque-os em ordem, misture-os se necessário. E assim vai indo. Sempre em passos pequenos.
Sehun era assim com tudo. Um pé na frente do outro, focando no que vem a seguir, não no resultado. Em cinco minutos ele precisava estar no trabalho, mas, naquele momento, ele focava em juntar força o suficiente para sair da cama. Mas até aquilo parecia ser um passo muito grande.
Conseguia ouvir sua mãe cantarolando na cozinha, dentro de seu próprio mundinho e provavelmente fazendo algumas palavras cruzadas. Sendo útil, diferente do filho quase desempregado. Era um tanto difícil cumprir horários, honestamente.
Não sabia porque era assim. Simplesmente era. Deus o escolheu a dedo para testar as inúmeras e infalíveis maneira de desgraçar a vida de um ser vivo. Não era agradável, nem um pouco, mas já não sabia o que fazer.
Talvez parar de pensar sobre sua vida e sair daquela merda de cama fosse um bom começo.
Rolou para fora da cama, resmungando quando abandonou o calorzinho dos cobertores. Olhou seu celular, desligado.
Evitar compromissos não era um bom passo a se dar. Talvez, se não tivesse propositalmente desligado o celular na noite passada para evitar que o alarme soasse, não estaria andando para trás.
Sair de casa era meio passo pra frente, porque... bem, ele não contava isso como um passo completo, apesar de não saber o porquê. Deixou seu celular em casa, com preguiça de ligá-lo novamente, e andava pela calçada esburacada. Um passo de cada vez, porque se pisasse em falso, poderia torcer o pé.
A camisa social desabotoada deixava um pijama manchado de tinta a mostra para o mundo, os tênis preguiçosamente amarrados em um nó, e calças amassadas por não terem sido propriamente dobradas e guardadas. Já sabia que iria ser demitido, não tinha porquê se esforçar. Talvez não aquele dia, ou não amanhã, mas logo. Ninguém iria querer um Sehun como empregado — ou como qualquer coisa —, dando mais bolas foras do que dentro.
Podia dirigir até o trabalho, mas não tinha saco pra isso. Dirigir era chato, irritante, complicado e o deixava ansioso. Nasceu com pernas para usá-las — mesmo que preferisse passar o dia enrolado em um cobertor fofinho enquanto assistia Naruto pela enésima vez. A realidade era exaustiva.
O fim da calçada esburacada deu início à uma calçada um pouco menos esburacada. O sol resolveu sair detrás das nuvens, dando um bom dia para um Sehun ranzinza. Ficou mais quentinho, pelo menos.
Lojas começaram a surgir na paisagem da rua — porque Sehun só precisava andar em linha reta por umas 20 quadras para chegar ao seu local de trabalho —, e, junto delas, pessoas.
Sehun estava muito mais que cinco minutos atrasado. Não que importasse.
Olhou para uma mãe arrastando uma criança catarrenta por aí, fingindo que o filho não estava abrindo um berreiro em plenas 8 horas da manhã. Outro cara, um pouco mais velho, tateando o chão em busca dos óculos. A criança barulhenta pisou no óculos, a mãe não notou, e o cara provavelmente vai ficar sem enxergar direito pelo resto da semana.
A vida era... algo, mas pelo menos Sehun não usava óculos.
Voltou a olhar para a calçada rachada, cansado, andando em passos lentos para atrasar a chegada em seu destino. Pensou em mandar uma mensagem para seu chefe dizendo "foda-se essa merda de trabalho, vou tomar um sorvete e nunca mais pisar aí de novo", e até mesmo tateou os bolsos em busca de seu telefone. Que estava em casa. Desligado.
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Maracujá, coco, e chocolate
FanfictionHistórias, para serem tristes, não precisam falar sobre morte. A tristeza vêm em várias maneiras. Um coração quebrado, um leite derramado. Das coisas mais singelas até as mais elaboradas; do pôr-do-sol ao reflexo da luz noturna na água de uma banhei...