Capítulo UM

68 8 7
                                    



Sabe quando você deita na cama e parece que você não dormiu
nem cinco minutos? Então, não é isso que estou sentindo agora, porque eu dormi um total de doze horas. D.O.Z.E. Feriadão é uma benção, devia ter toda semana.
São 13h00min, estou com a cabeça no travesseiro, mas a mente está bem longe. Lá na França, na verdade. Pra ser bem mais exata, lá em Paris. Uma das sensações mais loucas da vida é quando você sente que seu futuro está em jogo e pior, quando isso não depende simplesmente só de você e o que resta é ficar olhando, de longe, apenas torcendo para dar certo, como se você fosse telespectador da sua própria vida.
Meu celular apita e a tela automaticamente liga, anunciando que recebi uma nova mensagem.

Lohan Tunes: Estou chegando, baby. Tem café?

Ignoro sem nenhum peso na consciência, porque melhor amigo é assim, a gente dá a mão e ele quer logo o braço. Mas no caso do Lohan, eu dou a mão e ele quer o corpo e a alma.
E eu dou, porque ele é meu melhor amigo.

Luiza Reclée: Depende. Trás uma cerveja pra mim?

Digitando...

Lohan Tunes: Minha filha, isso você não precisa nem pedir. Estou precisando mesmo.

Luiza Reclée: Tem café pronto. Amo-te.

Finalmente afasto o espírito da preguiça de mim e decido levantar o corpo da cama, lentamente, como um zumbi. Abro as cortinas e posso ver pequenos raios de sol tentando passar pelos vãos entre uma folha e outra das árvores, apesar do tempo estar razoavelmente nublado. Na rua, as pessoas passam pra lá e pra cá, carregando sacolas de feira e mercado, para fazer o famoso almoço de domingo que só fica pronto na hora da janta.
Uma moto se aproxima da entrada de casa e eu já identifico de longe de quem se trata. Ele desliga o motor, sai da moto e retira o capacete, ainda permanecendo com o cabelo perfeito, como um ator de novela que é bonito até acordando.
Lohan basicamente escolheu a nossa casa. Disse que precisávamos morar em um lugar que tivesse fácil acesso a outros lugares do Rio, principalmente Centro e Zona Sul, porque isso poderia significar mais oportunidades de trabalho. Mas, sinceramente, em qualquer lugar do Rio eu me sentiria exatamente do jeito que me sinto: sem direção. Não é fácil trabalhar com moda se você for brasileiro, mas também não é fácil ir pra outro país, então a gente acaba dando voltas e correndo atrás do próprio rabo. Eu e Lohan somos a prova de que não é fácil seguir um sonho.
No final das contas, alugamos essa casa em Santa Teresa, minúscula, porém confortável, e também não precisamos subir uma ladeira monstruosa para chegar aqui, só uma bem pequena — foram palavras de Lohan, inclusive, quando ele estava me convencendo a ficarmos aqui. Após dois meses, ele pediu alguns
empréstimos e comprou uma moto para subir a ladeira de, no máximo, 50 metros.
Ele é meu melhor amigo desde a faculdade. Não que isso tenha muito tempo já, mas considerando que nós terminamos a graduação há dois anos e nos conhecemos no primeiro período de um curso que dura quatro anos, então temos basicamente seis anos juntos. Inclusive, bem juntos mesmo, não fazemos quase nada separados e provavelmente só não tomamos banho juntos também porque Lohan vomitaria se visse uma mulher pelada.

Ouço o barulho da porta abrindo e fecho as cortinas novamente porque odeio claridade.
— Luíza! — a voz levemente escandalosa de Lohan invade o recinto, antes tão silencioso.
Ele chega com duas sacolas cheias de cerveja e joga em cima da pia, bufa e ajeita a franja para trás. Por último ele se estira no sofá. Eu conheço essa sequência de atos porque eles são bem frequentes desde que conheço Lohan. E geralmente ele age assim quando tem más notícias.
Vou até a cozinha sem falar nada e retiro as cervejas das sacolas plásticas.
— Sim, tenho más notícias — ele lê minha mente, pra variar — Terminei com o Rodrigo.
— De novo? — pergunto. Escoro os cotovelos na bancada da cozinha, enquanto tento abrir uma lata de cerveja sem quebrar a unha.
— Ei — ele faz uma expressão de quem está sendo totalmente ofendido — Nunca terminei com o Rodrigo.
— Ah, verdade — dou um gole na cerveja — O último que você terminou foi o Is.. I...
— Israel — ele completa, revirando os olhos.
— Exatamente! Foi semana passada, a propósito, né? Lohan me mostra o dedo do meio.
— Eu oficialmente desisto do amor — ele abre os braços e fecha os olhos dramaticamente, se jogando no sofá de cara pra baixo.
— Acho isso ótimo, está na hora de você sossegar. Até porque é difícil achar o amor em uma semana.
Ele se senta rapidamente.
— Luiza, algum dia você vai se apaixonar em alguns segundos e só então você vai saber que não tem tempo certo para o amor acontecer.
Começo a rir tanto da frase de facebook do Lohan que quase engasgo com a cerveja.
— Até porque disso você entende, não é, Lohan?
Ele joga uma almofada em mim e eu me agacho pra desviar do golpe.
— Amiga, sério, enquanto eu tenho um por semana você não tem nenhum desde que terminou o noivado com o babaca do Felipe.
— Ah não — resmungo antes de esvaziar a latinha — Você tem que me lembrar disso quase todo dia mesmo?
Lohan cruza os braços.
— Estou preocupadíssimo com a sua vida amorosa, social e todas as outras possíveis.
Ignoro Lohan e sigo em direção ao banheiro. Pego meu biquíni que está pendurado no gancho provavelmente por alguns meses e decido que é um ótimo momento para ir à praia.
— Luiza, não me ignore! — ele invade um banheiro, mas assim que percebe que estou prestes a trocar de roupa ele faz cara de nojo e fica de costas pra mim — Sério, amiga, o que falta pra você seguir sua vida?
— Amarra aqui — prendo o meu cabelo em um coque enquanto Lohan pega as amarras do biquíni para fazer um laço — Sinceramente, o que falta mesmo é a Glamour me selecionar. É minha meta de vida do momento e se isso não acontecer eu acho que desisto de tudo e vou morar com meu tio... AI — Grito quando Lohan aperta demais o biquíni.
— Eu jamais vou deixar você morar com aquele homem insuportável — ele garante.
— Ele não é tão ruim assim — defendo-o, mesmo sabendo que talvez meu tio não seja a melhor pessoa do mundo, mas ele me criou, pelo menos.
— Ele é extremamente hetero metido à macho alfa, não tem como ser uma boa pessoa.
Sorrio e Lohan dá um tapinha nas minhas costas. — Prontinho — ele diz — Aonde você vai?
— Tomar ar fresco. Quer me fazer companhia? Lohan dá uma suspirada.
— Acho que preciso ficar em casa bebendo uma cervejinha e vendo filme adolescente na Netflix enquanto sofro pelo ex boy.
— Entendo, apesar de tudo você tem um coração — coloco a mão em seu ombro fingindo um gesto de consolo.
— Eu te odeio, Luiza.

A água morna e salgada juntamente com o sol leve sobre a minha pele me traziam a sensação de pertencimento àquele lugar. Meu pai costumava dizer que se outras vidas existissem depois dessa, certamente o mar seria o meu lar. Sempre fui bem cética em relação à religiosidades mas sempre acreditei no meu pai, então tenho quase certeza de que ele estava certo.
Praia sempre foi nosso lugar preferido. Na última vez que viemos, construímos um castelo de areia que cinco minutos depois foi destruído por um cachorrinho muito animado. Lembro-me de ter chorado um tanto, até que meu pai abraçou e disse que fizemos um ótimo trabalho, pois nos divertimos enquanto construíamos o castelo e permitimos que outro se divertisse depois. A partir desse dia, procurei fazer o possível para que todas as coisas que me fizessem feliz, também deixassem os outros felizes, afinal, não
estamos sozinhos no mundo e nada que fazemos é só para a gente.
Saio da água assim que percebo as nuvens escurecendo. O casal super atencioso que aceitou vigiar meus pertences enquanto eu aproveitava o mar me desejaram um feliz natal, mesmo que faltasse ainda um mês para o final do ano. Desejo felicitações, agradecida, e me enrolo na minha canga.
O caminho pela praia é sempre digno de reflexões. Vejo famílias, namorados, pessoas desfrutando de sua própria companhia, vendedores, crianças, animais. Por mais diferente que sejamos um dos outros, algo sempre une todo mundo, seja a praia ou a vida. De longe, um casal chama a minha atenção. Percebo os seus movimentos, seus olhares intensos, suas risadas verdadeiras... sinto um frio na espinha. É Felipe, com sua atual noiva. Encolho-me na minha canga, não sei se é por frio ou nervoso. Não sinto absolutamente mais nada pelo Felipe, mas saber que um dia eu que estava ali, com ele, entorpecida pelos seus encantos e sonhando com um futuro que eu esperava existir, eu sinto náuseas.
Dou meia-volta e pego o primeiro ônibus que aparece.

Assim que abro a porta de casa, dou de cara com Lohan, que está parado e olhando fixamente para a tela do computador, como se tivesse recebido a notícia de que alguém tinha morrido.
— O que foi, criatura? — pergunto, preocupada — Você está pálido. Não que isso seja muito difícil, já que você tem cor de papel...
— Acho melhor você sentar porque eu não tenho forças para te segurar depois dessa notícia — ele diz.
Sento-me sobre a mesa de centro, na frente de Lohan.
— E aí, dá pra ser? — pergunto, já sufocada de nervoso com tanto mistério.
Ele vira a tela do notebook pra mim. Era um e-mail, aberto.

Sélection, glamour.

Félicitations, Luiza. Nous sommes honorés d'annoncer que vous êtes pleinement qualifié pour participer à notre concours.
Souriez! Vous êtes l'un des meilleurs au monde. Nous attendons votre confirmation.

Cordialement,
Rebecca Montre. *

Lohan tinha razão. Acho que provavelmente eu devia ter sentado em um local que tivesse apoio para as costas.



* Seleção, glamour.

Parabéns Luiza. Temos a honra de anunciar que você está qualificado para participar do nosso concurso.
Sorria! Você é um dos melhores do mundo. Estamos aguardando sua confirmação.
Atenciosamente, Rebecca Montre.

Até Você Aparecer - Vol. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora