Parte 3

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Todas as mulheres vestidas de branco observavam chocadas a cena, então chegaram os policiais com o papel de afastá-las e dar espaço aos peritos e ao investigador. Não era uma cena que pudesse ser vista diariamente por nenhum dos profissionais, chegando até a ser chocante para quem está acostumado, diferente dos crimes que costumam chamar atenção, que são normalmente de mortes múltiplas em um tiroteio, sendo pouco comuns. Bruno Tolentino estava próximo de fazer dez anos de carreira na polícia civil quando viu a garota loira nua e amarrada a arvore, cujo corpo estava penetrado por sete espadas. O investigador de trinta e quatro anos ficou tonto ao ver a cena pela primeira vez, certo de que não era mais uma das cenas pouco comuns, e sim uma daquelas histórias que aparecem em todos os noticiários nacionais e internacionais pela semana inteira.

― Está tudo bem com você, Bruno? ― perguntou um dos peritos que estava agachado em frente ao corpo.

― Fique tranquilo ― disse o investigador em um tom sombrio. ― O que aconteceu com ela exatamente?

― É um caso bem interessante ― continuou, mas engoliu fundo a saliva ao perceber a gafe que cometera. ― Digo, é um caso que não é bem o que parece.

― Conte-me mais.

― A causa da morte ― começou o segundo perito ― não foi o apedrejamento e nem ao menos a perfuração com as sete espadas.

― Apedrejamento? ― Perguntou Bruno, sem entender do que se tratava. Não havia sinal nenhum que a garota tivesse sido apedrejada, apenas espancada até a morte, possivelmente.

― Estas hematomas ― apontou para alguns cortes pequenos no centro das marcas roxas. ― Não são de espancamento comum, e sim de um apedrejamento feito por rochas pontudas. Só saberei qual foi o tipo de rocha com uma análise mais detalhada no laboratório.

―E a causa da morte? ― o investigador se aproximou do corpo para visualizar melhor as marcas espalhadas pelos braços, rosto e barriga da vítima.

― Aqui ― apontou para o pescoço de Daniella Giusti. ― Um corte no pescoço dela que foi feito há mais de quatro horas.

― Meu Deus...

― Não para por aí ainda. A vítima está com o sangue totalmente drenado do corpo, por isso os cortes feitos pelas espadas estão limpos. Não há sangue ao redor das perfurações, o que seria muito estranho de acontecer se houvesse sangue no seu corpo, ainda mais penetrando tão fundo.

O investigador estava sem reação. Nunca havia visto algo tão brutal em toda a sua vida e nem imaginou que vivenciaria algo tão cruel. Um homem que já foi considerado um ogro agora sentia uma forte tontura e as pernas bambeavam com todo o teatro que havia sido montado à sua frente. Sua pressão caiu repentinamente e ele precisou se ausentar um pouco. Andou na velocidade que pôde de volta para o seu carro e sentou-se no banco de motorista. Reinaldo Júnior, o perito, veio atrás em passos largos.

― O que houve? ― perguntou ofegante. ― Você está se sentindo bem?

― Minha pressão caiu, mas já estou melhor. Nunca vi algo assim... ― disse Bruno esfregando as mãos no rosto, visivelmente abalado.

― Muito menos eu ― disse o seu velho companheiro de casos criminais. Em tantos anos trabalhando juntos não haviam visto nada que chegasse à metade do nível de selvageria daquela cena. ― O que você acha que é? ― Continuou Reinaldo, sentando-se no banco de carona do carro de Bruno.

― Não faço a menor ideia dos motivos do assassino. Temos os seguintes fatos na provável ordem dos acontecimentos: assassinato com um corte no pescoço da vítima, drenagem do seu sangue ao colocar o corpo de cabeça para baixo, apedrejamento, transporte até um convento de freiras, perfuração com sete espadas e por fim a garota teve suas mãos atadas a uma árvore, mesmo que não houvesse possibilidade alguma de fuga. Não consigo tirar lógica alguma deste assassinato, somente consigo visualizar a mente atormentada de um louco.

― É bíblico! Acho que descobri os motivos do assassinato, olhe ― o perito ergueu o celular e mostrou o visor para o investigador. Era um trecho de Ezequiel 16. ― "Alegoria da Jerusalém infiel". Leia a partir do versículo 39.

― Onde você achou isso? ― perguntou Bruno sem entender o que se passava. Pelo visto ele havia feito todas as deduções somente para ele mesmo, enquanto Reinaldo olhava o celular em busca de pistas.

― Google. Pesquisei por espadas, apedrejamento, cultos satânicos e por fim achei esta citação na bíblia. Dê uma olhada.

― "Entregar-te-ei nas suas mãos, e derrubarão a tua câmara abobadada, e derrubarão os teus altos lugares, e te despirão os teus vestidos, e tomarão as tuas jóias de enfeite, e te deixarão nua e descoberta. Então farão subir contra ti um ajuntamento, e te apedrejarão com pedra, e te trespassarão com as suas espadas. Queimarão as tuas casas a fogo, e executarão juízos contra ti, aos olhos de muitas mulheres; farei cessar o teu meretrício, e paga não darás mais". Meu Deus...

― Esse louco está usando as palavras de Deus para fazer justiça com as próprias mãos, que loucura! Pelo visto ele anda vendo muito filme...

Os dois homens que viviam rodeados de crimes estavam pasmos. A experiência de dias e mais dias nas ruas atrás de bandidos das piores espécies nunca chegaria aos pés do que estava diante deles no momento. Eles estavam se sentindo dentro de episódios das séries mais macabras da televisão, vivendo uma espécie de quebra-cabeças que deveria ser montado para solucionar o crime e encontrar o culpado.

― Não é bem isso ― começou Bruno. ― Ele não está usando as palavras de Deus, muito pelo contrário.

― Como é? ― Reinaldo parecia perplexo com tal afirmação.

― Ele está usando os ensinamentos da bíblia como forma de zombar da religião e da fé em geral. Pela forma como o corpo foi posicionado e perfurado pelas espadas, posso afirmar que estamos lidando com um homem com idade entre vinte e trinta anos, conhecedor de religião e provavelmente pertencente à classe alta. O nosso assassino se acha superior às autoridades, como se as leis não tivessem sido feitas para pessoas como ele, por isso tanta imprudência em colocar o corpo em um lugar tão movimentado quanto um convento. A maioria dos psicopatas são bem inteligentes, mas o erro deles é achar que são os únicos capazes de raciocinar, então ao se gabar demais ele provavelmente deve ter deixado algo para trás, uma pista mínima, algo que vai nos levar a ele. Só precisamos achar essa pista que será a primeira peça do quebra-cabeça.

ArthurOnde histórias criam vida. Descubra agora