Parte III - Aço por toda parte

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Nunca havia ficado sozinho e de noite na empresa. Já esperara um tempo por outros funcionários, mas nunca até anoitecer. Nunca sozinho. Porém, não sentia medo de estar sozinho e a escuridão da noite não o assombrava porque as luzes a levavam para longe.

Restava, portanto, Hugo e a fábrica. Diversos perfis metálicos do tamanho de caminhões. Cortados por maçaricos, pintados por jatos de tintas em alguns instantes, soldados quando assim deveriam ser, amontoados em pilhas espalhadas por todos os cantos. Chapas tomavam um canto somente para elas, com sua pesada existência separada de outros elementos. Todo o maquinário estava espalhado, tal como os perfis e, talvez, essa fosse a organização necessária para se executar os serviços por ali. Hugo se lembrou que tinha trabalho por fazer e retornou para o computador.

Com os desenhos gerados, apenas limpou um detalhe ou outro nele, salvou no servidor e preparou o e-mail para a mulher. Demorou para achar o contato dela, mas fez uma mensagem bem formal apesar do ódio que tinha por ela naquele momento. Arquivos anexados, desculpas no corpo do e-mail, vontade de ir para casa a mil. A internet colaborou em quase nada, pois demorou a enviar aquela droga de mensagem de um projeto amaldiçoado. Tudo pronto, começou a desligar o computador e arrumar a mochila.

Foi então que começaram a martelar os perfis.

Isso causou muita estranheza em Hugo, que logo foi para a janela ver o que acontecia. Quase como se pudesse esperar, lá estava o peão extra entortando o trabalho feito. Uma pequena raiva tomou conta de Hugo naquele instante. Aquele cara só podia ser um maluco que invadira a empresa ao longo do dia e estava perturbando Hugo principalmente. As câmeras já tinham a face dele àquela altura, então poderia ser identificado posteriormente. O mais correto seria só ligar para a polícia, mas Hugo resolveu abrir a janela e gritar com ele, para só depois ligar para as forças policiais.

O homem, entretanto, ignorou os gritos e continuou martelando. Quando parou, nem olhou para Hugo. Apenas subiu em uma pilha de perfis e saltou para outra, na tentativa de um salto mortal que acabou com ele batendo de costas na pilha a frente e indo pro chão, de costas. Um perfil na pilha alvo se desequilibrou e caiu sobre o peão, esmagando a caixa torácica dele, lançando uma rajada de sangue nas proximidades.

-Puta merda! - Hugo gritou, desesperado, e foi para a porta que dava para a área de fabricação. Parou no segundo degrau da escada ao constatar que não havia corpo lá embaixo, apenas o sangue banhando uma parte do chão e os perfis próximos de onde o peão havia caído. Pálido, Hugo voltou por completo para a sala de projetos, fechando a porta. Outro susto veio quando o telefone tocou.

- Alô? – Hugo atendeu, ainda assustado. Ninguém respondeu do outro lado da linha, mas mesmo assim ele insistiu – Alô?! – e um choro masculino começou a crescer do outro lado da linha – Quem é? Que tá rolando?

- Só me faz um favor – a voz era grave e sofrida, cercada pelo choro superado a pouco tempo – liga pro socorro pra eles me darem alguma ajuda, por favor.

- Mas que socorro? É trote isso? – Hugo começava a se alterar com o telefonema.

- Fala também pra minha família que vou ficar bem.

- Quem é sua família? Onde você tá?

- Mas não me tira o emprego não. Eu vou limpar minha bagunça, óia – e o telefone ficou mudo. Ao mesmo tempo, Hugo ouviu um barulho vindo da área de fabricação, como se os perfis tivessem sido movimentados. Largou o telefone e foi ver correndo o que acontecera. Para o terror dele, o perfil que havia sido derrubado estava no lugar, mas as manchas de sangue dele e do entorno permaneciam.

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⏰ Last updated: Jun 30, 2019 ⏰

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Aço Banhado de SangueWhere stories live. Discover now