Parte I - Antes do escritório esvaziar

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Era sexta-feira.Isso só podia significar uma coisa: seria a droga de um dia, como eram todas as sextas naquele escritório maldito.Hugo não podia esperar muita coisa boa acontecendo naquele dia em particular: pelo menos dois projetos atrasados e a expectativa de um terceiro surgir já atrasado dois minutos antes do almoço não parecia muito distante. Somado ao fato de ser sexta, todos com os nervos à flor da pele por não terem feito o que deveria ter sido feito para a semana e a expectativa de sair para o final de semana o quanto antes.Não era nem oito da manhã ainda e o Sol castigava as ruas do Arsenal, mais um dos bairros quentes de São Gonçalo. Mas, até onde se sabia, todos eram ou quentes ou muito quentes. Várias pessoas indo na contramão do caminho feito por Hugo, saindo de suas casas para outros bairros ou mesmo municípios, enquanto ele ia para o local no qual elas residiam.Chegou na empresa antes do horário, passando pelo enorme portão metálico que dava direto para o local dedicado ao corte, solda e pintura de perfis metálicos para obras. Vários dos funcionários da fabricação já estavam lá, se organizando, sendo organizados, checando as tarefas e prazos que se esgotam no dia. Hugo passou e desejou um bom dia para todos que lhe dirigiram o olhar, recebendo o desejo de volta também de alguns que olharam quando apenas quando ouviram a voz do rapaz.Passou o estreito corredor que dava para a sala de convivência e alcançou as escadas que levavam para o corredor onde ficavam os escritórios da administração e para o de projetos. Tinha adquirido a mania de olhar para o pavimento superior onde ficava a sala da direção assim que tocava os pés no corredor dos escritórios e assim o fez, seguindo para bater o ponto e se acomodar para mais um dia de desenhos intermináveis e broncas humilhantes.Mais uma vez, o rotineiro bom dia percorreu a sala de projetos quando mais uma pessoa entrou no recinto, dessa vez sendo o Hugo. Na sala só se encontrava Mariana, a responsável pela maior parte dos desenhos, que respondeu sem nem desviar o olhar da tela. O despertador do remédio que tomava tocou e ele se adiantou para tomar logo. Alificavam os profissionais de projetos para obras as quais a empresa era responsável por fazer, tanto da parte de fabricação de elementos metálicos, quanto cálculos estruturais e desenhos referentes a esses dois processos. Muitas das vezes a empresa era contratada para projetar e fabricar os elementos que iriam para as obras, daí a importância de ter um local para trabalhar com os perfis próximo do escritório de projeto. No caso, no andar logo abaixo.Os dois estagiários, Alex e Sofia, não haviam chegado ainda, mas logo as mascotes da empresa chegariam para, basicamente, auxiliar na cotagem de algum desenho ou impressão de algum projeto. O engenheiro que chefiava o escritório, Reginaldo, também não havia chegado e isso era um alívio para os nervos em geral. A criatura ficava o dia todo perguntando sobre como estava o andamento de cada projeto, cobrava os desenhos que foram passados meia hora antes e ficava cantarolando irritantemente.Remédio tomado, computador ligado, projeto aberto e correria para verificar possíveis erros deixados no dia anterior e para voltar ao ritmo do dia anterior. Nem meia hora se passou na tranquilidade de verificar e continuar projetos, quando Reginaldo entrou tal como uma metralhadora.-Já acabou os projetos, Hugo?-Bom dia, Reginaldo. Finalizei o reforço da piscina, mas ainda falta checar as cargas daquela casa pra... – respondeu Hugo, na medida do que foi permitido.-Precisa de mais agilidade, meu caro assistente! – Reginaldo cortou como uma serra mármore a seco – Me dê aqui o projeto para que eu dê um visto, continue esse aí que já vou ver o que mais temos para hoje. Ah! E também....O engenheiro continuou falando, mas Hugo apenas fingiu que prestava atenção. Quando acabou, este primeiro se sentou e foi, cantarolando, olhar projetos e solicitações. Os estagiários chegaram apenas alguns minutos depois, levando broncas a bons gritos de Reginaldo. Já sabiam que tinham que se prontificar para mais um dia de correria debaixo do chicote do engenheiro. Enquanto este último resmungava distraído, Hugo fez uma careta engraçada para os dois e desejou um bom dia.Quando o cheiro do café chegou da administração, não houve nem tempo de ver Reginaldo correndo para a porta, desaparecendo de vista. Era uma chance para os querestaram na sala de trocarem palavras por quase 15 minutos, e foi o que fizeram. Hugo ainda aproveitou para se esticar e foi até a janela que dava para a fábrica. Contou os peões e estranhou quando a contagem deu um valor acima do usual, ainda mais com um que estava distante dos outros. Depois, porém, perdeu este de vista, um pouco antes de se sentar para dar continuidade ao seu trabalho: verificar a armação das sapatas e escutar alguma reclamação do Reginaldo quanto ao gosto do café.Hugo mal teve tempo de finalizar o trabalho com as sapatas e passar o desenho para os estagiários quando recebeu mais uma tarefa gigantesca vinda do Reginaldo. Ouviu tudo com paciência, nada realmente importante depois do primeiro minuto, e viu que já era o momento para ir almoçar.-Espero que acabe isso hoje, Hugo. Você não tem sido lá o melhor dos nossos funcionários – disse Reginaldo, e imediatamente saiu para almoçar.Hugo olhou em volta e se deu conta que todos haviam saído para almoçar. Deixou as anotações pertinentes em cima da sua mesa e também se retirou do recinto, já imaginando que teria que rever tudo que lhe fora dito com muito cuidado. Na saída, viu de relance o peão extra descendo as escadas para o andar que continha a área de fabricação e o refeitório. Quando chegou à escada, entretanto, não o viu. A menos que tivesse corrido e, consequentemente, feito barulho naquela escada, o homem não teria conseguido tal feito.Se adiantou para chegar logo à sala de convivência e tentar dar uma olhada no peão, mas só teve tempo de ouvir a porta que dava para o corredor principal batendo. "Esse homem estava gostando de correr pela empresa mesmo", Hugo pensou. Logo, ele imaginava, tomaria uma advertência de alguém por brincar dessa maneira. Após isso, esquentou a marmita e se sentou no refeitório, papeando com os estagiários sobre card games e com o restante dos presentes sobre programas para o final de semana.A regra não escrita era que não se devia falar sobre andamento de trabalho ali, mas Reginaldo chegou de algum restaurante e fez isso logo de cara. Sempre que podia ele vinha para estragar o almoço de alguma forma. Mariana saiu assim que ele entrou, mas Hugo e os estagiários tiveram que suportar a presença dele. Os funcionários da administração faziam caretas sempre que o engenheiro desviava a atenção para o celular e isso divertia a todos os presentes.Com a desculpa de usar o banheiro, Hugo se retirou do refeitório e realmente aproveitou para escovar os dentes e urinar. Subindo as escadas para trocar os itens de refeição pela escova e pasta dental, viu que o peão extra entrava na sala de projetos onde, ele imaginava, estaria Mariana. Se adiantou para ver qual era a do cara e viu que a sala estava vazia, exceto pela colega desenhista.-Mariana...- Hugo começou a falar, procurando por mais alguém ali – você não viu ninguém entrando aqui?-Não – ela respondeu – Só eu estou aqui. Mania de perseguição agora, guri?Hugo sorriu e negou qualquer coisa do tipo. Alguém passara por ali, atravessando a sala e indo para a área de fabricação sem a desenhista ver? Não, ela mesmo negou isso. Qual era a desse peão extra?

Aço Banhado de SangueWhere stories live. Discover now