Invasão

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O desafio de falar do que dói, é se calhar o maior que eu podia ter agarrado nesse momento.
Difícil falar de como aquela memória atormenta, como as mãos do monstro em direção ao meu peito, mesmo que somente em minha memória causem-me paranóia e vergonha. Cheguei a pensar que a culpa tivesse sido minha. Mas cresci e aprendi, mas ainda não entendi como é que um ser que diz que ama, vire tantas vezes a faca.
Por muito tempo tentei convencer a mim mesma de que não foi nada de mais e que não devia dar tanta importância, mas as minhas ancestrais não andaram aqui, não me entregaram essa tocha por vaidade. Foi por necessidade. Necessidade de contar a verdade. De cortar uma vez por todas essa raiz podre que nos persegue. Quebrar uma vez por todas quebrar a corrente que nos limita. Eliminar tudo aquilo que ameaça a nossa livre e segura existência.

Eu não devia ter medo de contar que o meu corpo alguém tentou contaminar, por receio de receber as culpas.
Nascer mulher, é o convite para fazer parte de uma luta que, possivelmente existiu bem antes de nós próprias identificarmo-nos como mulheres, ou como humanas sequer.
Nascer mulher é ser convidada a uma luta cuja magnitude é ainda desconhecida por muitas de nós. Uma luta que não tem uma só voz, uma luta que é para todas, é por todas, de uma só vez.

Nascer mulher, foi o convite para fazer parte do grupo de mulheres que se levantaram e continuam a levantar-se em prol do nosso direito de existir como nos fôr mais conveniente ou seja fazer as nossas próprias escolhas como humanas e adultas que somos. Das que se rebelaram contra a romantização de sofrimento. E também da luta contra aqueles que insistem em chamarmo-nos de loucas por dizermos verdades sem rodeios.

Mas nascer mulher é e continuará sendo a primeira parte da minha identidade.

Então, à todas as versões de mim que nasceram e morrerem, obrigada. Às partes de mim que ainda não conheço, as partes de mim que já não reconheço, isso é só o começo. Cuidar de mim é uma prioridade, prometo.
Descasco-me, dispo-me. Aos poucos me reencontro e sigo me reconstruindo.
Sinto a brisa com uma agressividade que até então nunca tivera sentido.
Ainda desnorteada, procuro por mim com alguma esperança de esbarrar na parte de mim que insiste em fugir, que insiste em fingir que aquele episódio nunca aconteceu.
Algumas vezes tropeço e levanto-me logo. Outras vezes demora um pouco mas o objectivo é vencer a gravidade, pouco importa a velocidade.
Peço perdão a mim mesma pelas vezes em que coloquei o coração em leilão.
Hoje, a parte que mais dói é não ter conseguido gritar " tira daqui a porra dessa mão".
Mas não desisto, a luta continua.

Mônica.

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⏰ Última atualização: Jul 02, 2019 ⏰

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