Uma mecha do cabelo castanho caiu sobre os olhos mel e a cor escura destacou o sorriso branco e tímido de Isabela — Bela, como gosta de ser chamada.
Timmy se virou assim que a viu e entrou na primeira lanchonete que encontrou. Sairia somente quando tivesse a certeza de que não a veria do lado de fora. Era inevitável se lembrar de quando se conheceram. Estudaram juntos na infância, mas não eram amigos. Isabela era apenas mais uma amiga no facebook, que conhecia de nome, mas não sabia dizer nada sobre. Uma mensagem enviada para o contato errado e estava feito. Foi quando começaram a conversar, todos os dias. E os dias se tornaram semanas, que se transformaram em meses. Se encontraram pela primeira vez numa cafeteria, foi quando aprendeu a diferença entre Mocaccino e Capuccino e quando deram o primeiro beijo. Finalmente, depois que suas vidas se cruzaram tantas vezes, estavam se conhecendo.
Conhecendo.
A palavra tinha um sabor amargo — como café, que ele só começou a tomar por conta da Bela. Eram tempos bons, aqueles. Pelo menos, achava que sim. Se sentia bem ao lado daquela mulher. Quando iam ao cinema e quando saiam para dançar e só voltavam para casa quando o sol ameaçava nascer. No entanto, não sabia dizer ao certo se de fato estava tudo bem, mesmo naquela época. Depois do divórcio, chegou a conclusão de que o amor é como uma doença que deixa os apaixonados num estado permanente de demência. Quando as coisas saíram do controle? Impossível dizer, mas isso não o impedia de continuar pensando. Era só nisso que conseguia pensar ultimamente. Porque ele deixou que acontecesse, afinal.
Ele a amava.
Ou amava a mulher que pensou conhecer. Mais uma vez, pensou no café. Talvez fosse por isso que gostasse tanto. Leite, açúcar, canela. Tantos adereços para esconder o amargo forte. É assim que Bela é, um café cheio de confeitos.
E esses confeitos foram sumindo, um a um, até que restasse apenas o amargo. Por mais difícil que fosse engolir, Timmy engoliu. E foi tão suave que ele não notou. Não notou que Bela era tudo que lhe restava, porque ‘a única amiguinha que homem precisa é a namorada’.
E era apenas brincadeira quando ela o humilhava na frente dos amigos, não é? ‘Não leve tão a sério, foi só uma piada’. Só uma piada. Um riso sem humor escapou dos seus lábios. Por todos aqueles anos, Timmy não passou de uma piada. Quantas vezes ela não o ridicularizou pelas costas? Se o fazia tão frequentemente quando estavam juntos, imagine quão pior deveria quando não estava olhando?
Não. Não deveria estar pensando nisso. Estava fazendo progressos com o terapeuta. Na última semana, até trancou a faculdade de medicina e agora vai voltar a estudar artes — Bela achava que um artista não poderia sustentar ela e as crianças, e ela queria ter uma família grande.
— Deseja alguma coisa, senhor?
— Um café.
Carregaria alguns hábitos para a vida, isso é inevitável. Algumas coisas ficam. Mas Bela não. Bela não está mais aqui e nunca mais vai estar. A parte mais difícil de partir era que achava que nunca mais seria feliz. Como poderia? Que outra mulher o amaria? Como ele poderia ser o suficiente para alguém se não conseguia ser para si mesmo?
Era engraçado. Engraçado porque Timmy nunca tinha se sentido tão livre quanto agora.
Deu um gole no café. Amargo. Sem açúcar. E ele não adoçou.
Do outro lado da lanchonete, uma moça de olhos escuros lançou um sorriso amigável. Timmy retribuiu.
Bela. Era linda, sim. O nome lhe fazia justiça sem dúvidas. Mas por trás daquela beleza — um café cheio de confeitos — se escondia a fera. Curioso como a Bela e a Fera se mesclavam perfeitamente numa única pessoa.
Mas agora estava livre. Livre da Bela.
Livre da Fera.
Timmy se levantou e caminhou até a mesa da mulher de olhos escuros.
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A Bela é a Fera
Poesía"Depois do divórcio, chegou a conclusão de que o amor é como uma doença que deixa os apaixonados num estado permanente de demência. Quando as coisas saíram do controle? Impossível dizer, mas isso não o impedia de continuar pensando. Era só nisso que...