JJK

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Já passavam das quatro da manhã, quando Jungkook tentava pela sétima vez passar para a tela a imagem certa que vinha a sua cabeça, em mais um de seus sonhos. Havia conseguido colorir na tela os cabelos pretos que pareciam voar com alguma brisa passageira, as mãos delicadas abertas em um movimento preciso, os braços que se levantavam para dar aquela sensação de vôo, as duas pernas que pareciam levitar do ar, movidas a uma força maior, e um vestido branco, talvez mais esvoaçante que os cabelos longos. Mas algo faltava naquele ser desconhecido.

O rosto.

Jungkook suspirou, derrotado, apoiando os braços cansados na mesa de madeira atrás de seu corpo, observando a imagem incompleta na tela à sua frente. Havia acordado em vão, depois de mais um de seus devaneios que o atormentam por quase toda sua vida, em busca de reconhecer a figura que aparece em seus sonhos.

Tendo em mente que não conseguiria mais passar nada para a tela, limpou e guardou cada um de seus pincéis, tampou as tintas e lavou suas mãos na pia ao lado da mesa, vendo as cores escorrerem por seus dedos assim que a água limpava suas mãos. Encarou a tela mais uma vez e fez seu caminho para sair do ateliê, que ficava em um dos quartos de sua casa.

Vivia sozinho em um apartamento confortável em um bairro residencial de Seul, cujo ele tinha espaço suficiente para viver e trabalhar horas a fio como costumava fazer. O local possuía poucas cores que pintavam as paredes e apareciam em móveis e na decoração. Tudo muito preto, cinza e branco.

Um lugar tão neutro que uma pessoa de fora não poderia nem imaginar que ali residia um pintor barra desenhista que sempre se expressava de uma forma tão colorida através de seus trabalhos.

Chegou a sua suíte, logo retirando a camisa branca e a calça de moletom que haviam sido sujas com alguns respingos e manchas de tinta e as jogou no cesto de roupas no canto do quarto. Resolveu tomar um banho quente, para tentar fazer com que o sono retornasse. Apoiou a cabeça na parede de azulejos a sua frente, fechando os olhos e sentindo a água cair por todo seu corpo. Ele só queria que junto das manchas de tinta e do suor que sujavam seu corpo, a angústia que ele sentia também se esvaísse pelo ralo, e sumisse de si de uma vez por todas.

Após longos minutos relaxando embaixo do chuveiro, ele resolveu sair, secando seu corpo e seus cabelos castanhos. Parou em frente ao espelho, encarando seu reflexo com aflição, e soltou uma risada frustada.

Era como se a insatisfação por não entender sua própria mente caminhasse por suas veias, junto de todo o sangue.

Colocou uma cueca limpa e um conjunto de moletom surrado, jogando-se na cama. Cobriu todo o corpo, e fechou os olhos após soltar uma densa lufada de ar. Seu único desejo era que adormecesse sem que mais nenhum sonho o fizesse compainha.

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Com um copo de café expresso em uma mão e seus materiais de trabalho pendurados na outra, Jungkook se direcionava para o interior do seu estúdio de artes. Ele estava praticamente se arrastando sob seus pés devido a noite mal dormida que tivera. Odiava que seus problemas pessoais atrapalhassem no seu lado profissional. Ele tinha batalhado muito para conseguir tudo o que tinha, e batalhava ainda mais para manter seus bens. Podia-se dizer que Jeon era viciado em trabalho.

Mas o se que fazer se ocupar sua cabeça com trabalho era melhor do que deixá-la à mercê de seus demônios?

— Cara, você tá horrível. — foi recebido pela voz grave de Namjoon, seu sócio e melhor amigo.

Kim Namjoon e Jeon Jungkook se conheceram na universidade em Seul. Eram dois jovens que haviam saído de suas cidades natais, para ter uma melhor garantia de seus estudos e tentar conquistar algo maior futuramente. Namjoon cursava Fotografia, Jungkook, Artes Plásticas. Tiveram algumas disciplinas juntos e uma compatibilidade que logo os levou a desenvolver uma amizade sólida. Finalizaram seus estudos e, felizmente, depois de muito suor e dedicação, conseguiram abrir um pequeno negócio para unir seus trabalhos, que logo deslanchou, devido ao talento de ambos.

E então, esse pequeno negócio virou o estúdio na qual trabalhavam atualmente. Expunham seus trabalhos e realizavam inúmeras apresentações e serviços para quem os contratasse. Haviam, de fato, conseguido conquistar o tão sonhado sucesso que vislumbravam quando jovens.

— Bom dia pra você também, hyung. — murmurou, após se sentar na cadeira em frente a mesa de Namjoon, que digitava algo em seu notebook. — Eu tive uma noite daquelas.

— Outro sonho? — o mais velho perguntou, já familiarizado com os problemas de seu amigo.

— Sim. Na verdade, não. É o mesmo sonho, a mesma pessoa, a mesma paisagem.

— E nada do rosto?

— Nem um mísero detalhe. — Jungkook assentiu, frustado. — Mas enfim, o que você queria falar naquela ligação ontem?

Namjoon havia ligado para seu sócio para lhe dar uma boa notícia, mas Jungkook estava em seu ateliê desenhando na hora que o de cabelos rosados ligou e não conseguiu falar com o mesmo.

— Eu consegui uma exposição pra nós. Na verdade, eu consegui A exposição para nós. — falou, dando ênfase em suas palavras. Seu rosto havia se alegrado, dando espaço para um grande sorriso e fazendo as covinhas fundas que Namjoon tinha aparecerem. — Nós vamos expôr no Museu de Artes de Seul, bro!

O café que Jungkook tinha na boca quase foi posto para fora com as palavras de seu amigo. Afinal, era o museu mais importante da cidade. De uma grande capital. Seria o maior evento de suas carreiras.

— Você tá brincando, porra! — o mais novo soltou um grito animado, largando seu copo de café na mesa e se levantando. — Isso é incrível, hyung.

Namjoon fez o mesmo, dando a volta na mesa para abraçar seu parceiro. Eles perduraram neste abraço por longos segundos, com os sorrisos quase rasgando as maçãs de seus rostos, e depois se afastaram. Jungkook passou as mãos pelos cabelos castanhos, ainda atônito e seu amigo lhe deu dois tapas no ombro, para fazê-lo acreditar.

— A exposição vai ser daqui a um mês. Eu vou expôr minhas fotografias em um espaço e você expõe seus desenhos e pinturas em outro. É um evento grande, que envolve todos os tipos de arte, desde esculturas a dança, que chama muito público, e nós não seremos os únicos que irão apresentar seus trabalhos, então a gente tem que impressionar.

O mais novo já sabia a importância que uma exposição no museu mais conceituado da cidade carregava, e ele já podia sentir a pressão pesando em seus ombros.

— Qual vai ser o tema? — perguntou, ansioso pelo o que teria que apresentar.

Namjoon se debruçou sobre a mesa, virando seu notebook e clicando na página respectiva ao evento. Jungkook, então, também se aproximou para ver o que estava escrito ali.

— "Subjetividade: Um convite para a alma". — Kim leu as palavras escritas na tela, depois suspirou, esfregando a mão por seus cabelos. — Profundo. Vou ter que caprichar nas fotos.

Jungkook só digeriu o título, com a cabeça já martelando sobre o que ele poderia fazer.

Claro que para um artista nada é premeditado. O processo criativo é uma coisa fluída, a inspiração dá o ar das graças quando se sente à vontade, e os esboços vão saindo calmamente. Mas para um evento com a carga que este detinha, Jungkook estava preocupado sobre como passar o tema imposto em seus trabalhos.

E para ele, um sujeito tão mal resolvido com seus fantasmas, dedicar um trabalho sobre conceitos tão singulares como subjetividade e alma, era uma tarefa que pedia mais de si do que Jeon se sentia capaz de oferecer.

— Isso vai ser complicado.

— Relaxa, cara. — falou Namjoon com uma voz serena, para confortá-lo. — Nós ainda temos tempo, logo a inspiração vem e você vai ter criado uns desenhos bem massa pra apresentar a Seul. Eu sei que esses assuntos são meio complicados pra você, mas como o título da exposição já sugere, tenta se encontrar com a sua alma e tudo vai fluir.

— Esse é o problema, hyung. Como eu encontro algo que eu nem sei o que aconteceu para eu perder?

Your Traces • jjk + pjmOnde histórias criam vida. Descubra agora