Meu nome é Anninka Masur e eu tinha apenas 7 anos quando começou a guerra. A oeste o exército nazista com suas máquinas de morte, a leste o exército vermelho de Stalin. Minha vila era próxima à Katovice, apenas 60Km a noroeste, então levou algum tempo até que o exército de Hitler chegasse a minha casa. Tempo o suficiente para que os homens pudessem se preparar para defender nossas terras e nossas famílias, ou pelo menos tentar... A guerra foi rápida e em pouco tempo meu país tinha sido dividido em dois.
Minha mãe conseguiu me mandar para fora da Polônia junto de um primo meu na esperança de me poupar dos horrores da guerra. Meu primo me levou para Ostrava, onde sua família morava a alguns anos e onde fiquei segura por algum tempo, até a grande guerra estourar e então toda a Europa mergulhou em caos. Porém as coisas não aconteceram tão depressa na época quanto parecem ter acontecido agora... Levou tempo para que a guerra chegasse até mim de novo.
Lembro-me bem de ver os soldados soviéticos marchando pelas ruas da cidade, matando qualquer civil que eles suspeitassem ter envolvimento com os nazistas. Porém eles não eram salvadores. Eram soldados comandados por um ditador genocida que queria impor sua ideia de governo ao mundo, assim como Hitler.Nessa época eu já tinha 14 anos e fazia o que era possível para ajudar minha tia e minhas primas, já que meu tio e o filho dele haviam sido levados para a guerra para lutar ao lado dos nazistas alguns anos antes. Eles nunca voltaram. E após a chegada dos soviéticos nós tínhamos que sobreviver a qualquer custo. Por isso eu, minhas primas e alguns amigos andávamos pelos escombros da cidade procurando mantimentos e armas, que mantínhamos escondidas por razões óbvias.
No dia 15 de Agosto de 1945, um dia nublado em que tudo me dizia para ficar 10 minutos a mais na cama, eu acordei mais cedo. Não queria me atrasar pois iria encontrar com meu amigo Franz. Ele era um garoto alto, loiro com os olhos mais azuis que já vira e um pouco mais velho que eu. Ele era de família alemã, seu pai e irmãos mais velhos lutavam na guerra e era seu sonho lutar nela também. Nós não falávamos muito sobre isso é claro... Entretanto naquele dia ele me convidara para conhecer alguns amigos dele, "Nós somos a Resistência Jovem" disse um rapaz de aproximadamente 17 anos. Os garotos de ascendência ariana que residiam na cidade formaram um grupo para combater os soviéticos, e Franz acabara de se juntar a eles. Eram pouco mais de 50 ao todo e nenhum deles tinha muito mais que 15 anos...
Apesar de achar que eram tolos, a ideia deles era muito bonita. "Nós queremos acabar com essa guerra! E nós vamos começar cortando as linhas de suprimento do exército vermelho que passam pela cidade. E assim, outros grupos em cidades mais a oeste poderão acabar com as tropas comunistas."
Eu odiava os nazistas, assim como odiava os comunistas. Eu só queria que a guerra acabasse.Após passar algumas horas com Franz no esconderijo onde a Resistência Jovem se reunia, decidimos ir para nossas casas pois já era hora do almoço e eu ainda precisava conseguir algo para levar para minha tia. Entretanto, quando abri a porta do velho prédio destruído, um pequeno batalhão estava parado em frente ao edifício, todos portando armas. Armas estas que foram prontamente apontadas em nossa direção.
_ Vse vy! Out seychas! I nikakogo soprotivleniya! _ Ordenou aquele que parecia ser o comandante. _ Yesli kto-nibud' iz vas otreagiruyet, my otkroyem ogon'!
Franz, eu e alguns outros que também saiam, levantamos as mãos e lentamente caminhamos em direção aos soldados. Porém quando nos aproximamos, um dos rapazes puxou uma pistola e disparou contra um dos soldados. Os soldados retaliaram de imediato, atirando contra nós. E de dentro do prédio, os jovens que permaneceram também responderam com fogo, disparando através das janelas e buracos na construção.Lembro de ter sentido muita dor no momento que minha cabeça bateu forte contra a pedra da rua, Franz se lançara sobre mim e jazia deitado, imóvel. Alguns segundos depois os tiros cessaram e minha visão parou de girar. Eu olhei em volta e vi vários dos jovens mortos ao meu lado, com muita dificuldade pedi para que Franz se levantasse, porém ele não respondeu. Nesse momento eu senti seu sangue quente escorrer pelo meu peito.
Um dos soldados empurrou o corpo de Franz com o pé e apontou sua arma para mim, pensei que ele me mataria ali. Mas não. Ele olhou para mim e uma expressão de urgência tomou seu rosto e ele gritou._ Zdes' ranenaya devushka! Yey nuzhna skoraya meditsinskaya pomoshch'!
O soldado se debruçou sobre mim, pressionou suas mãos contra minha barriga e senti muita dor. Outro soldado veio correndo e abriu minha camisa, então vi o sangue brotando de mim. O dia nublado ficou ainda mais escuro, o cheiro forte de pólvora e ferro tomou meu nariz, os sons a minha volta ficaram distantes e o mundo voltou a girar. Apaguei.
Acordei no meio da noite com o mesmo jovem soldado soviético sorrindo para mim. Eu não sabia onde estava, nem quem era aquele jovem. Não me lembrava muito bem do que havia acontecido. Porém o rosto dele me era familiar...
_ Bem-vinda de volta ao mundo dos vivos prima! _ E me sorriu.
Arregalei meus olhos e com o espanto do súbito reconhecimento perguntei.
_ Igor? É você?
Ele confirmou com a cabeça e quando começou a explicar eu o interrompi me lançando sobre ele e envolvendo-o em um abraço forte.
_ Ei! Ei! Vai com calma ou vai abrir seus pontos.
Soltei-o, sentindo uma forte fisgada no abdômen.
_ Você está vivo? Mas como? E por que está usando esse uniforme?
Ele então me explicou que após ter sido recrutado pelo exército nazista, ele havia desertado e procurara se esconder na Polônia oriental, na casa de parentes. Ele estava ilegal na URSS e quando a polícia o descobriu, ele ficou sem muitas opções além de se juntar ao exército vermelho e lutar. Minutos após terminar de contar sua história uma enfermeira veio até minha cama e pediu que ele saísse pois o médico precisava fazer algumas checagens em mim.
_ Então até mais tarde prima! Se cuida. _ Disse com um sorriso apreensivo.
_ Espera... Igor! Eu vou te ver de novo?
_ É claro que vai! Assim que ganharmos a guerra eu volto para te ver e te contar minhas histórias. _ Disse deixando a tenda médica onde estávamos. _ Tenho tantas histórias...
Sua voz ficou abafada depois de sair da tenda. E logo em seguida entrou o médico. Um homem alto e pálido, com um olhar tão frio que fez minha espinha arrepiar. Ele voltou seus olhos negros para mim e disse:
_ Está com fome criança? _ seu sotaque russo carregado tornou difícil compreender seu polonês.
_ Acho que sim... _ respondi incerta encarando-o.
_ Natalia, por favor...
A enfermeira então arregaçou a manga de seu jaleco até a altura do cotovelo e esticou o braço em minha direção. Fiquei confusa. Não estava entendendo aquela situação.
_ Siga em frente garota. Não precisa se conter. _ Disse o médico.
Parei de encarar os olhos vazios do homem e olhei para o braço da enfermeira esticado à minha frente, coberto por pequenas feridas em diferentes estados de cura. A cena me chocou. Eu podia sentir o forte cheiro de ferro que vinha das feridas mais recentes. O cheiro, mais forte a cada segundo me fez recordar do que acontecera em frente as ruínas onde se encontrava a Resistência Jovem. Lembrei-me dos soldados parados em frente ao prédio. Lembrei de como Franz se jogara contra mim, em uma fútil tentativa de me proteger. Lembrei-me do rosto de Igor por detrás de uma arma, e de como ele gritava desesperado enquanto tentava parar o meu sangramento. Lembrei-me do cheiro de pólvora e sangue. Lembrei de minha morte.
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Anninka Masur
VampireEsta é a história de como Anninka Masur, tornou-se uma vampira e chegou à Praga.