primeiro

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Faltavam mais duas quadras. Dahyun contava cada esquina de acordo com o que sua memória permitia, enquanto corria o máximo possível pelo asfalto. Havia uma linha divindo a área de seu cérebro entre contar os fatos que aconteciam e sua respiração controlada. Eram cinco quadras. Faltavam vinte minutos para a loja fechar. Parou, bufando. O sinal fechara.

Quanto tempo estava perdendo? Cinco minutos? Vinte menos cinco é quinze. Ou talvez esteja perdendo mais. Respirou fundo, a velhinha ao seu lado olhando-a espantada. Ela não tinha culpa: Dahyun assustaria até uma criança. Suada, cansada, precisando de ar. Nunca em sua vida tinha procurado ter uma vida saudável, e assim como todas as vezes anteriores na sua vida em que se xingou, desejou ter praticado corrida mais vezes.

O sinal abriu.

Correu novamente, o vento lhe atingindo o rosto como vela ao mar. Podia sentir sua respiração falhar. Segurou firme. Deu passos mais largos. Agora vai.

Em um erro mal calculado de seu cérebro, tropeçou forte em alguma coisa na rua, caindo de cara no chão.

Não soube se começava a chorar ou gritasse de dor e raiva.

Eram tantas coisas que a faziam-na se culpar, mesmo tendo absolutamente culpa nenhuma em algumas das razões. Seu trabalho tinha de fechar tão tarde? Ou ela, deveria ter aceitado trabalhar em uma loja que mais a desvalorizava do que contribuiu para o seu sonho? Ela não imaginava que ganhar um salário mínimo fosse tão difícil. Ainda mais, sendo uma adolescente prestes a acabar o ensino médio. O mundo não entenderia, seria causas do destino que ela resolveu tomar, entre lidar com a escola e seu trabalho escravo, onde ganhava absolutamente oitenta reais por mês, juntando todos os horários que contribuira.

Dahyun socou a calçada, e levantou firme. Perdera quanto tempo naquele choramingo interno? Mais cinco minutos? Dez? A única certeza: ela estava perdendo tempo.

Analisou-se primeiro. Seu joelho sangrava - e muito -, provavelmente acabaria doendo na corrida. Assim como a velhinha do semáforo, olhavam-na horrorizados. O que uma garota tão esfarrapada faria naquelas bandas? Seu joelho estava sangrando! Dahyun suspirou, segurando um choro pela dolorida queda.

Seu quadril também doía, mas ela não reparou. O joelho era mais atrativo.

Voltou a correr, mais lento desta vez, e contando uma reta numérica em sua mente. Números que acostumara-se a encarar na sala de aula e nos livros que carregava dentro da mochila, que a acompanharam durante toda aquela semana de estudos para as provas finais. Era verão. Mas não era nenhum pouco agradável.

Não tinha vento mais. A umidade, combinando com a gravidade, faziam-na suar de cansaço. Sua camiseta rosa estava ensopada. Seus cabelos, qual esquecera-se de atar por culpa da pressa, parecia um ninho. Espetados e cheios de frizz. Dahyun nunca ligou muito para seu cabelo, mas desta vez, concentrava-se em esquecê-lo, assim como o resto de sua aparência.

Faltava uma quadra. Mais uma de longas cinco quadras. Ansiosa, não esperou o sinal, e correu o mais rápido possível, sentindo a segunda queda tocar-lhe com gosto, mas não a segurou. Passou antes do primeiro carro. Muito bem, para alguém que fazia poucos exercícios.

Então, o gosto da vitória lhe veio. Suas pupilas dilataram. Chegara na quadra desejada. E com ela, a bela visão.

Uma loja vip de produtos de bandas internacionais.

Desde que começou sua busca por emprego, foi tudo apenas por obrigação. Estava necessitada de dinheiro. Queria voltar a sentir-se independente. E também não queria começar a morrer de fome na casa da avó.

Durante uma tarde em que passeava sozinha, com objetivos na sua procura por um emprego decente, encontrou a loja de roupas. E com ela, revelada em frente à vitrine, cheia de pompa, uma camiseta preta de sua banda favorita, Queen.

Se Dahyun alguma vez se apaixonou, ela não lembra. Porque seus olhos fixaram-se naquela camiseta. Aquela estampa da logo original, desenhada pelo eterno Freddie Mercury, onde juntava todos os signos dos membros da banda. Os detalhes em algodão - ou seria seda? - escura, revelando o peso da mão de obra para fazer aquele produto tão inútil, mas desejado por todo temido fã daquela banda. Uma banda que marcou pessoas, que conquistou o mundo, e possuía um legado. Este que Dahyun carregava ao lado do peito, nos seus jeitos simples, em seus fones de ouvidos. Todos sabiam: não devia existir pessoa mais fã do Queen do que ela.

Lembrava da visão de seu pai dançando na sala de estar com ela ao som de Radio Ga Ga, eles cantando cada letra automaticamente, suas vozes fazendo parte do ambiente daquela cidade. E mesmo a voz de seu pai ter partido, Dahyun manteve sua obra. Uma obra que ela depositou inteira naquela camiseta da vitrine.

Pegou o primeiro emprego que encontrou. Aguentou até a primeira semana. Na segunda, seu único motivo para bater o ponto na loja era aquela camiseta, e a alimentação de casa.

Cento e cinquenta. Ela juntou durante dois meses, o dinheiro exato. Decorou as palavras do vendedor. "Cento e cinquenta, este é o valor da camiseta. Única na coleção."

Era sua chance.

Ao dar o primeiro passo, segurou-se para não tropeçar. Quase vomitou. Era extremamente surreal.

Uma garota bonita de cabelos loiros saía da loja, carregando uma bolsa e usando em seu corpo a sua camiseta, a camiseta que carregava o legado do Queen, e o de seu pai.

- Pare aí mesmo! - Gritou, chamando atenção da garota. Avançou até ela, extremamente irritada. - O que pensa que está fazendo?!

A garota apontou para si mesma, confusa. Seus olhos arregalaram-se com a aproximação de Dahyun, observando seu estado.

- Você não vai embora. O que está fazendo com a minha camiseta?

- Sua camiseta? Ela não era da loja?

- Não mude de assunto, ladra.

- Eu não sou ladra. - Levantou as mãos para afastar Dahyun. Quantos centímetros era seria mais alta que Dahyun? Dez? Dahyun olhou para a camiseta. Aquela linda camiseta...

- Por que comprou a minha camiseta?

- Porque eu gostei dela? Olha, não estou entendendo nada. - Cruzou os braços. - Me diga antes: Quem é você?

Dahyun fitou os olhos daquela garota. Sabia que estava a confundindo. Não era justo. Nada naquele dia estava sendo.

- Eu amo essa camiseta. - Fungou, passando o pulso pelo nariz.

A garota olhou para a camiseta que usava, engolindo a seco. Uma mecha de cabelo escorreu por sua testa.

- É, mas ela é minha.

Dahyun não aguentou. Empurrou a garota loira, a fazendo cair em uma poça de água na rua. A loira choramingou, dando gritinhos exagerados.

- Sua maluca! Por que fez isso?!

Dahyun não deu resposta. Virou-se para trás, marchando forte, pegando o caminho de sua casa. Longe do tumulto, daquela garota loira privilegiada, e de toda a vida que carregava além de seu coraçãozinho de fã e seu mundinho patético em que um dia conheceria Brian May.

Acabou reparando que seu quadril doía só depois de ter deitado em sua cama, sem tomar banho, com as lágrimas escapando pouco a pouco de seus olhos, e a frase "eu odeio o capitalismo" estampada imaginariamente em sua testa.

vitrine de uma rainha ☆ twiceOnde histórias criam vida. Descubra agora