Lembro que te dei todo o amor que eu tinha. Quando me dei conta, esqueci de mim mesma e eu nem mais existia. Depois foi você. E eu fiquei assim, penosa, claro. Foi daí que resolvi me isolar do mundo a fim de viver de longe e ver essa coisa chamada de vida. Trancafiada em casa. Vivendo um pouco pra mim até que eu volte a ter sonhos e perspectivas, além de que eu te esqueça de uma vez. É que eu preciso entender essa coisa que me vai e me vem e por vezes permanece e teima assim mesmo em me tirar do eixo. Esse eixo... Ó eixo! Onde estás que não te acho? Preciso desse equilíbrio. É esse equilíbrio que me falta, que me falha. Como uma criança em uma bicicleta sem rodinhas, eu testo o meu equilíbrio. E vou testando e testando até que eu possa aprender tudo isso. Todas as coisas do mundo.
É nessa aprendizagem que eu posso achar esse eixo, achar o equilíbrio. E não precisar mais de apoio algum, nem de lembranças suas. É essa tal generalidade que me falta. Tudo se generaliza e é bem isso que eu preciso domar. É o que preciso saber, conhecer. Tudo se repete, tudo é um ciclo. E Deus é Pai de todas as coisas. Amém.
É nessa escuridão do quarto que eu penso e repenso nisso tudo e me faço ser pensante. Repito, em voz alta, coisas que não posso esquecer e que ao mesmo tempo escondo. Por vezes repito de forma sibilosa. Não é agora que o mundo deve saber. O mundo está lá fora e eu aqui posicionada. Vivendo minhas próprias regras de uma liberdade em quatro paredes. E vou talvez vivendo, livre leve solta. E solta livre leve. Olhando meus arredores, talvez brilhando na escuridão. Porque isso me dá uma paz que eu não sei aonde chegarei banhada de tanta tranquilidade. Esqueço-te por instantes. Será que irei a algum lugar com tudo isso? E quando eu morrer? A hora é quando? Agora? Tenho que viver, tenho que ver e sentir a raiz da vida. Preciso continuar a aprender nesse escuro. Nada de fim.
Tudo clareia ao meu redor enquanto me esforço a pensar. Essa é a minha clarividência; o meu Iluminismo. E vou me esforçando, fazendo o que devo, levando e me levantando. Esquecendo ou te lembrando. Uma hora eu te esqueço, reconheço o tal equilíbrio, o meu eixo e conheço tudo o que devo conhecer - as coisas do mundo.
Eu espio na janela e por ironia do destino há uma criança. Lembrei-me de minha infância. E há uma bicicleta também. Lembrei que fui um brinquedo pra ti. Mas preciso desfocar desse fato e logo deslembro e esqueço. Ela incrivelmente pedala sob duas rodas com bastante equilíbrio. É assim que quero aprender a viver. Sem ti. E apenas por mim, pelo menos uma vez.
É que fui de me preocupar muito com todos eles. E eles não se preocuparam na imensa forma em que me preocupei. Talvez hoje nem se preocupem de forma alguma. Tem dias e tempos que o mundo lá fora não existe e eu não existo. Eu me perco toda e me faço falta! Isso passa a ser corrente e me torno correnteza pesada. Preciso me ver, pelo menos uma vez... Acho que sou uma mulher que só vai, nunca permanece, nunca fica. Nem em mim, nem na vida de ninguém. Não sou equilíbrio. E fico assim, no meu espaço. Sendo eu. Porém nunca contente. De vez em quando, para ser mais justa... Preciso ser eu e me contentar sozinha. Definitivamente.
Liberdade. É o que tenho sentido quando mais quero estar só. E quando escrevo. E quando eu te esqueço. Preciso te esquecer e deixar de tanto ficar assim, querendo-te. Porque tu não me queres mais e preciso me contentar com isso. Não posso te querer. Já quis o mundo, já quis tudo, e nunca tive. Nunca me deram oportunidades de concretar possibilidades. Tenho-me concretada pela liberdade. Tenho me fincada como um ramo no solo pegando a luz em um infindável túnel. Tudo quando me deram o mínimo espaço de ficar assim - sozinha. Solitária, na verdade. Até então, eu temia demais a solidão; hoje, até que temos sido amigas. É que tenho encontrado certa liberdade nessa bagunça toda. Estou me encontrando. Aliás, acho que estou renascendo, de uma forma, digamos, diferente. Ainda não tenho um nome. Ainda nem pensei, pois estou muito ocupada me alimentando dessa raiz. Eu a quero - tão cedo não sairei daqui. O que quero mais ainda é poder te esquecer.
Costumava guardar em mim o normal de nós. Mas tirar tudo isso e descansar este corpo se tornou essencial, mesmo que eu te lembre todas as vezes e horas. Sinto-me um pouco livre. E isso me dá uma representatividade de várias coisas que eu nunca senti antes. Quero em mim só o que me acrescenta. O que não vai permanece e fica por querer ficar. Tenho tentado fazer da liberdade o equilíbrio dessa coisa - desse sistema. Até então, tem dado certo. Mesmo que eu sinta falta dos velhos costumes... Mesmo que eu sinta sua falta e me sinta assim, tão vazia porque você me tirou um pedaço. Continuarei me esforçando e farei de mim a melhor.
Mas olha, tenho descoberto que o que me leva e que talvez te leve ao equilíbrio entre o vai-permanece é, por hipótese, a liberdade. É que ainda estou treinando isso. Em fase de teste. E continuarei a testar esse caminho em meu retiro. Comecei quase agora. Tem muito o que se fazer. Quero ligar as pontas do passado mal vivido com o meu futuro promissor. Sairei daqui uma nova mulher. O mundo jamais me reconhecerá da mesma forma que um dia eu fora antes. Porque eu corro atrás dessas mudanças como um cão corre atrás do brinquedo quando se joga... E eu também não solto o osso... Não enquanto roer todo o tutano, até a última gota.
Vês o quanto ainda me sinto? Eu posso renascer de novo. Mas preciso te tirar do peito. Não sei se consigo te amar novamente.
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Todas as coisas do mundo
Short Story"É o meu destino cantar o amor em tons universais e fazer dele a minha morada em mim. É assim que tenho feito de mim o paraíso. E aqui é tão aconchegante, tão confortante, como se eu tivesse enfim chegado em casa, depois daquelas viagens longas em q...